quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A Estrela




«Um dia, à meia-noite, ele viu-a. Era a estrela mais gira do céu, muito viva, e a essa hora passava mesmo por cima da torre. Como é que a não tinham roubado? Ele próprio, Pedro, que era um miúdo, se a quisesse empalmar, era só deitar-lhe a mão. Na realidade, não sabia bem para quê. Era bonita, no céu preto, gostava de a ter. Talvez depois a pusesse no quarto, talvez a trouxesse ao peito. E daí, se calhar, talvez a viesse a dar à mãe para enfeitar o cabelo. Devia-lhe ficar bem, no cabelo.


De modo que, nessa noite, não aguentou. Meteu-se na cama como todos os dias, a mãe levou a luz, mas ele não dormiu. Foi difícil, porque o sono tinha muita força. Teve mesmo de se sentar na cama, sacudir a cabeça muitas vezes a dizer-lhe que não. E quando calculou que o pai e a mãe já dormiam, abriu a janela devagar e saltou para a rua. A janela era baixa. Mas memso que não fosse. Com sete anos, ele estava treinado a subir às oliveiras quando era o tempo dos ninhos, para ver os ovos ou aqueles bichos pelados, bem feios, com o bico enorme, muito aberto. (...) Assim que se viu na rua, desatou a correr pela aldeia fora até à torre, porque o medo vinha a correr também atrás dele. Mas como ia descalço, ele corria mais. A igreja ficava no cimo da aldeia e a aldeia fica no cimo de um monte. De modo que era tudo a subir. Mas conseguiu - e agora estava ali. Olhou a estrela para ganhar coragem, ela brilhava, muito quieta, como se estivesse à sua espera. E de repente lembou-se: se aporta estivesse fechada?»


in, Vergílio Ferreira, A Estrela, Quetzal
(na noite em que procuramos a estrela, capaz de nos iluminar)
Imagem, in Laura David, Star_Collecting

Mensagem de Natal




(O texto já tem um ano, mas vale a pena lê-lo, pelo contexto social que nos continuar a rodear.)


Jesus, presente no nosso Natal

« À nossa volta, desde há muito tempo, somos inundados por inúmeras solicitações para comprarmos presentes. Os melhores. Os mais caros. Os mais...
Como se o Natal se reduzisse aos presentes. Presentes caros num País onde a erradicação da pobreza nos havia de mobilizar. Presentes objectivamente inúteis.
De uma inutilidade gritante. Presentes desnecessários. Presentes falsamente tradicionais.
Feitos em série. E vindos de países em que a mão-de-obra barata os aproxima de produtos obtidos em regime de escravatura.
Ontem «não havia lugar para eles na hospedaria» (Lucas 2:7). Hoje, num Natal assim, parece que continua a não haver lugar para Ele. E, afinal, o verdadeiro Natal é o de Jesus. Mais. Ele é o verdadeiro presente do nosso Natal.
E, com Jesus presente na nossa vida, podemos viver a nossa vida como presente. na relação com os outros.
Boas festas de Natal! Com Jesus Presente!»


Padre José Manuel, (Texto retirado do editorial da Revista Lux., Dezembro de 2008)
(1) Imagem, a Natividade, quadro de Josefa de Óbidos

Decoração de Natal...















(Trabalhos realizados por alunos na decoração da EB 2, 3 Mem Ramires  e EB1 dos Leões)

E_Book (No sonho do real imaginado)



De Sílvio Maltez, emprestado do alfinte2008.blogspot.com

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Com as Palavras no Peito



  Sancha Trindade pegou nas palavras dos nossos poetas e imaginou uma forma simples e motivadora para mostrar a nossa cultura e também para incentivar essa falta de amor que os portugueses revelam ter dificuldade em revelar em tantas situações. A partir de Amsterdão e Portugal lançou um conjunto de cadernos onde pela imagem e pela palavra se entoavam emoções.
  Surgiu há algum tempo com as t-shirts viajantes, com as palavras de poetas que viajaram pelo sonho, pela palavra. Existem em variadas cores. Em branco (de Agostinho da Silva): «a vida triunfará àquele que tímido ouse» ou de azul (de José Tolentino de Mendonça): «nesses dias distantes nem suspeitava a vida pode ser interminável».
 É uma ideia brilhante, para divulgar a cultura portuguesa. Este País pode ser mais alguma coisa que o «simples existir» de que falava Eça e pode comemorar o presente acima das eternas feiras de saudade do passado. Aos interessados em conhecer melhor este projecto da iniciativa da Criarte, podem aceder aqui.



Imagens, in http://www.criarte.pt
Emprestado do Jardim Assombrado, na divulgação deste projecto.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Nascimento do Inverno



  O solstício de Inverno é um fenómeno conhecido há muitos séculos por diferentes civilizações. Sabemos hoje que ele representa na órbitra da Terra, um dos momentos em que na sua órbita, um dos seus pólos se encontra mais afastado do Sol. Desde tempos antigos que se celebra a sua ocorrência.
É mesmo a mais antiga celebração colectiva de um ritual, em que o homem procura interpretar o universo. Conhecido como o nascimento do sol indicava aos homens de diferentes culturas que se iniciava um novo ciclo de tempo. Notavam que a duração do dia e da noite se alteravam progressivamente até à chegada da Primavera, verificando-se que a altura do sol no horizonte era menor.
  Relacionando o Sol com a luz que dele vinha, aquele era a representação da divindade e da própria vida. As cerimónias comemoradas de modo diverso em diferentes civilizações exaltavam a alegria, o nascimento, onde os elementos florais, as frutas  e as danças eram pontos comuns. Em todos os continentes, dos egipcíos, aos maias, aos povos da Europa e da Ásia existem manifestações desta celebração do Inverno.
  A comemoração do solstício de Inverno perdeu o seu significado cultural durante a civilização romana. Apesar de ter integrado alguns destes ritos, no século IV, a festa do Sol foi substituída pela comemoração do nascimento de Jesus Cristo, o mensageiro de uma nova fé, o Cristianismo. Tornando-se a religião oficial do Império, o Cristianismo substituiu estes rituais e o Natal é de facto, como festa cristã a celebração do nascimento de Jesus Cristo numa data onde se comemorava um novo ciclo de tempo, o solstício de Inverno.
   Hoje, dia vinte e um de Dezembro, perto do meio-dia, iniciou-se esta nova estação, marcada pelo solstício.


  Imagem, in universoinimaginavel.blogspot.com

Leituras...


«E esperou-me tanto que ainda lá está, com a mão levantada, acenando-me. Naquele Tempo, naquele lugar indefenível onde se guarda o mais profundo e, talvez, o mais inexplicável da memória

 É de uma beleza tão simples quanto o podem ser os sonhos redigidos no imaginário das fadas, dos cisnes que voam sobre as varandas do céu, dos unicórnios que se passeiam na noite do vivido.
 É um livro autobiográfico, mas é sobretudo um canto de palavras a esse território pouco definível que é a primeira infância. No cenário da guerra civil de Espanha, uma família, mas sobretudo uma criança que voando nas velas de barcos imaginários, nos contos onde escondia os seus medos e onde transfigurava os seus dias.
 É um livro onde se sente como a infância é um teritório de magia, misterioso, nem sempre límpido, mas continuadamente maravilhado pelo que se vive, onde ainda as categorias racionais, as demasiadas palavras são um incómodo.
 É ainda um livro que acima de um tempo histórico nos dá a dimensão humana da solidão, da tristeza, mas também da simplicidade de olhar para a luz, para o céu, para os objectos do quotidiano, com os olhos maravilhados, afinal repõe a humanidade que pertenece ao próprio homem.
 É uma obra de arte porque nos transporta para um universo, um imaginário, onde pela inocência se buscam mundos novos. A sua beleza permite-nos viajar no tempo e voltar a recordar as manhãs em que os raios de sol espreguiçavam sobre a quarto, aberto à luz, entre aquelas árvores, e por onde ainda nos parece vir o cheiro de torradas e os gestos afectivos de quem nos acompanhava.
 É de facto uma obra-prima. Um livro que realmente «aquece o coração» e trata as emoções com a simplicidade que só as crianças conseguem.
Um livro a descobrir, a ler e a partilhar.

domingo, 20 de dezembro de 2009

A Cimeira de Copenhaga


   A Cimeira do clima para reflectir e agir sobre as aletrações climáticas terminou na passada sexta-feira, em Copenhaga sem resulados muito animadores. Mais uma vez se notaram as imensas diferenças entre os Países ricos e os países em vias de desenvolvimento. Não parece excessivo dizer-se que o acordo não meditou seriamente nas ideias que a Ciência nos tem trazido e cada país agarrou-se aos seus próprios interesses nacionais. Na verdade os apoios prometidos, são escassos e pior não foram regulamentados.No fundo cada fica responsável pela sua casa, como se a Terra não fosse um património de todos.
  O acordo foi uma desilusão porque acima de tudo não definiu as metas da redução das emissões poluentes para os países desenvolvidos e nada foi definido para as etapas de redução contínua para os países menos desenvolvidos. A O.N.U. como assembleia representativa das Nações do planeta falhou um acordo que promoveu, quando nem as precárias promessas foram datadas para a celebração de um acordo realmente vinculativo. 
 Para reflectir, o que esta geração de políticos não soube ver, imagens do Árctico e de como o aumento de temperatura já está a ter profundas alterações. Alterações que chegarão ao desenvolvimento humano de diferentes partes do Planeta.




Glaciar derretendo na costa leste da Gronelândia


Em clara desintegração, o Glaciar Petermann, um dos maiores do nordeste da Gronelândia


No Canal Robeson, a 82.4 de latitude norte. perto da fronteira entre a Gronelândia e o Canadá, e que regrediu assustadoramente nos últimos anos. 


(no endereço abaixo ideias e recursos para alimentar a consciência e o protesto por um planeta menos poluído e mais humano).

Imagens, in http://www.greenpeace.org/internacional

Memória de Erico Veríssimo

«(...) Quero falar de ti. Lembras-te daquela tarde em que nos encontramos nas escadas da Faculdade? Mal nos conhecemos, tu me cumprimentaste atrapalhado, eu te sorri um pouco desajeitada e cada qual continuou o seu caminho. Tu naturalmente me esqueceste no instante seguinte, mas eu continuei pensando em ti, e não sei porquê, fiquei com a certeza de que havias de ter uma grande, uma imensa importância na minha vida. São pressentimentos misteriosos que ninguém consegue explicar.

Hoje tens tudo quanto sonhavas: posição social, dinheiro, conforto, mas no fundo te sentes ainda bem como aquele Eugénio indeciso e infeliz, meio desarvorado e amargo subindo as escadas do edifício da Faculdade, envergonhado da sua roupa surrada. Continua em ti a sensação de inferioridade (perdoa que te fale assim…), o vazio interior, a falta de objetivos maiores. Começas agora a pensar no passado com uma pontinha de saudade, com um pouquinho de remorso. Tens tido crises de consciência, não é mesmo? Pois ainda passarás horas mais amargas e eu chego até a amar o teu sofrimento, porque dele, estou certa, há-de nascer o novo Eugénio.

Uma noite me disseste que Deus não existe,que em mais de vinte anos de vida não o pudeste encontrar. Crê que nisso se manifesta a magia de Deus. Um Ser que existe mas é invisível para uns, e mal perceptível para outros e de uma nitidez maravilhosa para os que nasceram simples ou para os que adquiriram simplicidade por meio do sofrimento ou da profunda compreensão da vida. (...)
Quero que abras os olhos, Eugénio, que acordes enquanto é tempo. Peço-te que pegues na minha Bíblia, que está na estante de livros, perto do rádio, e leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar nesse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu com um deles. Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar de papo para o ar, esperando que tudo nos caia do Céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Mas precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do Céu. (...)
Há na Terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de acção e não um puro contemplativo. Quando falo em conquista, quero dizer a conquista de uma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, do espirito de cooperação. E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do Mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há-de levar. Precisamos, portanto, de criaturas de boa vontade».
in Erico Veríssimo, Olhai os Lírios do Campo

Há só três dias, passaram cento e quatro anos sobre o nascimento de um dos grandes escritores de língua portuguesa, o brasileiro Erico Veríssimo. Aqui fica a sua memória de um livro que nos dá uma imensa lição de humanidade, Olhai os Lírios do Campo.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Sobre a Educação...


«Os professores são os responsáveis pelos problemas de indisciplina na sala de aula. (...) Boa parte dos conflitos resulta da incapacidade que o professor tem de ouvir os pontos de vista dos alunos. (...) Os professores não souberam adaptar-se às novas realidades.» (1)

Um Blogue de uma Biblioteca serve, também, para que se discutam ideias e se exerça um plano de cidadania. Quando partimos para este projecto e pela especificidade das escolas interessa-nos muito mais aquilo que nas palavras de Alice será o outro lado do espelho, onde se inventam imagens e sons de uma fantasia imaginada e vivida.

No entanto as questões relativas à educação também merecem uma palavra. E quem olha com espanto e assombro o real não pode ficar indiferente a palavras, que não sendo novas espelham uma ideologia velha, gasta que em diferentes palcos suporta o trágico estado da educação neste País.

Desde o século XIX, que os positivistas julgaram ser possível determinar o comportamento humano com a mesma cientificidade que uma raiz quadrada, pensando que seria possível criar as coordenadas da acção humana. A Psicologia seria assim o suporte desta compreensão total do homem. Acontece que a Psicologia não é uma Ciência Exacta, é justamente um suporte para organizar as acções e os comportamentos. Quem não compreende isto, torna-se vítima das certezas que quer vender sem nenhuma justificada credibilidade. Algumas perguntas.

Em que salas foram testadas as conclusões que permitem ao nosso psicólogo, sustentar que a indisciplina é a consequência da falta de oportunidade em expressar os seus pontos de vista? Todos os pontos de vista? À falta de educação, o desrespeito pelos outros, e não só ao professor, é um simples exprimir de ponto de vista? Aonde se fundamenta a ideia de que não há liberdade de expressão nas salas de aula?

Esta é uma perspectiva que nos tem naufragado, impedindo a valorização do esforço, da persistência, onde o conhecimento é minimizado, onde todas as abordagens têm de evitar as categorias abstractas do pensamento, numa palavra a facilidade e o divertimento. Assim se construiu um sistema educativo que reparte privilégios, na ilusão que são direitos universais, que reproduzem a falta do saber e impedem a evolução social.

E não foram os professores que não se adaptaram às mudanças. Foi a sociedade que não o conseguiu fazer, que não soube implicar a escola numa mudança. A escola não foi vista numa mudança porque alguns dos aspectos culturais que importava que participasse em transformar são considerados valores respeitados e reproduzidos. Como se pode educar para o valor estético se os media e principalmente a televisão apresentam o que todos conhecem. O que pode a palavra, o gesto, a cultura, a escola perante este desfilar de personagens em noites sem encanto?

E depois há os alunos, de que o senhor psicólogo simplesmente se esqueceu, o mais importante.
Os alunos transportam camadas de insegurança, medo, incertezas sobre um caminho que não sabem onde vai dar a Escola, o seu esforço, as suas possibilidades. Transportam cadernos, lápis, mas também desgostos, às vezes mais incompreensões que vontades. E muitas vezes não é fácil ao professor dislumbrar o caminho que vai da sabedoria, do conhecimento ao seu contrário, sobretudo numa dimensão de escola com demasiadas áreas, disciplinas e sobretudo horas. Alguém achará positivo e até humano, uma criança, ao nível de um 1º Ciclo ficar numa escola mais tempo que um operário numa fábrica? Faz isto sentido?

Existem demasiadas certezas, modas que uns tantos vão declamando para o espaço educativo como se fossem a última descoberta da Ciência. E afinal basta-nos criar uma confiança crítica e responder ao essencial. A indisciplina é um território vasto, complexo, necessitando de abordagens diversas, tão plurais como o coração e não é uma vista aberta como sugere o senhor psicólogo. Um pouco mais de humildade e de sabedoria para traçar um caminho mais eficiente para a escola e para o futuro da educação e dos jovens, neste país.


(1) Luís Picado, Coordenador do Instituto de Ciências Educativas
(citado do Jornal i-online)
Imagem, in http://www.fan.pop.com

Memória de Livros



«A porta da biblioteca dava para o corredor, ali onde eu fazia as minhas correrias nocturnas, cada vez mais espaçadas. Mas no silêncio da manhã, na suave penumbra, pareciam renascer do chão mágicas travessias e um aroma a cera e a madeira e a tapete aquecido pelos radiadores que tornaram a despertar em mim a magia das minhas viagens a sonhos e descobertas secretas. (...)


Com frequência, deitávamo-nos no chão, de barriga para baixo, partilhando o mesmo livro e  o mesmo bocadinho de tapete. Tacitamente escolhíamos sempre o mesmo bocado, com os mesmos desenhos e cores, uma mescla de losangos e círculos azuis e castanhos. Com os dias, acabou por ser um território próprio, uma espécie de refúgio-cabana num bosque, onde entrávamos para nos transferirmos para espaços visíveis através das suas palavras, de onde saíamos para nos reincorporarmos no mundo exterior. Eu via aquele bocadinho de tapete como porta, fechadura e chave de um país só nosso. Abria-se ao entrar, fechava-se ao sair. Um segredo tão íntimo que nem sequer se podia referir em silêncio, com o livro aberto e partilhado. (...)


Semiabraçados sobre a dobra, aquela dobra do lençol que, como uma vela, ainda retém o vento das Viagens de Gulliver, ou a solidão de Robinson, ou a inquietação do jovem Jim, de a Ilha do Tesouro... E, sobretudo isso, uma fuga sem fronteiras, sem meta sequer, que nos arrastava até à Ilha de Jim ou ao País do Nunca. (...) 


Era uma varanda bastante grande, com balaustrada de arenito. A parede que nos separava da varanda vizinha parecia imitar os cenários do Teatro das Crianças. Tão frágeis, tão irreais, e tão verdadeiras. (...)
Gavi declarou:
- Este é o castelo que te disse ...
Aquela janela captara um céu nosso, imenso, e nele regressámos ao território de um tapete com losangos azuis e castanhos sobre o qual ouvíamos, mais do que líamos, a voz das histórias ou dos sonhos que povoaram a nossa primeira infância.»


in, Ana Maria Matute, Paraíso Inabitado, Planeta 
Imagem, Sophie Blackwall.butterflies


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Cartão da Biblioteca

Alguns dos trabalhos apresentados à votação, para a escolha do logótipo do cartão da Biblioteca e Centro de Recursos na EB 1 dos Leões.



Ana Margarida Garcia

Maria Luísa

Ana Beatriz Fernandes


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Circo - Joana Januário e Tatiana Vieira (4ºA)

O circo

O circo tem palhaços
Palhaços engraçados
Engraçados são os cães
Cães dançarinos
Dançarinos são os homens
Homens do circo
Circo que tem tigres
Tigres comilões
Comilões e brincalhões
Brincalhões são os dromedários
Dromedários que fazem vénias
Vénias também fazem os cavalos!


Imagem, in jogos-e-brincadeiras.blogspot.com

O Livro e a Leitura

Selecção de alguns dos desenhos feitos pelos alunos, a partir da exploração de uma poesia, Os Livros.


Maria Esteves (4ºA)


Luís Lin (4ºA)


Sofia Franco (4ºA)


Eduardo Matos (4ºC)

Tanto Silêncio!

(...)Logo que a vida não me canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo. (...)


Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?


E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?


Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.


In Ricardo Reis, «Prefiro Rosas», Obras de Fernando Pessoa


   Tantas chancelarias, tantos tratados, infinita importância de uma Europa que às suas portas não consegue fazer reunir a mãe  e os seus filhos. Afinal, que Humanidade temos? 



segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Leituras...

A Estrela



  «Todos os anos, pelo Natal, eu ia a Belém. A viagem começava em Dezembro, no princípio das férias. Primeiro pela colheita do musgo, nos recantos mais húmidos do jardim. Cortava-se como um bolo, era bom sentir as grandes fatias despegarem-se da areia, dos muros ou dos troncos das árvores velhas, principalmente da ameixieia. Enchia-se a canastra devagar, enquanto a avó ia montando o que se chamaria hoje as estruturas, ou mesmo infra-estruturas, junto da parede da sala de jantar que dava para o jardim. 


   Eram caixotes, caixas de chapéus e de sapatos viradas do avesso, tábuas, que pouco a pouco ela ia cobrindo de musgo, ao mesmo tempo que fazia carreiros e caminhos com areia e areão. Mais tarde os rios e os lagos, com bocados de espelhos antigos, de vidros ou mesmo de travessas cheias de água. Até que todos os caixotes, caixas e tábuas desapareciam. Ficavam montanhas, planícies, rios, lagos. Era um anova criação do mundo. Aqui e ali uma casinha ou um pastor com suas cabras. E todos os caminhos iam para Belém.


   Não era como o presépio da Igreja que estava sempre todo pronto, mesmo antes de o Menino nascer. A cabana, a vaca, o burro, os três reis do Oriente. Maria, José, Jesus deitado nas palhinhas. Via-se logo que era a fingir. Não o da avó, que era mais do que um presépio, era uma peregrinação, uma jornada mágica ou, se quiserem, um milagre. Nós estávamos ali e não estávamos ali. De repente era a Judeia (...)».


 Manuel Alegre, «A Estrela», in Revista Invista Nº6, Dezembro de 2000
Imagem, in Lisa Evans, Estrelas
   

Visita ao Circo - Matilde Duarte e Sofia Franco (4ºA)

O Circo




Hoje fomos ao circo
Circo com palhaços
Palhaços brincalhões
Brincalhões como os tigres
Tigres comilões
Comilões e também chorões
Chorões como bebés
Bebés animadores
Animadores como os apresentadores
Apresentadores do circo
Circo com cowboys
Cowboys acrobatas
Acrobatas com os cães
Cães dançarinos
Dançarinos clássicos
Clássicos como os camelos
Camelos comilões
Comilões como tigres
Tigres ferozes
Ferozes como os elefantes
Elefantes bebedores
Bebedores de água
Água limpa
Limpa como o circo
Circo divertido!

Imagens, in Claudioxiu.com e Ilustradorbrunogrossi.Blogspot.com

O Livro e a Leitura - Mariana Silva (3ºB)



 Eu fiz este desenho para ilustrar o que é para mim um livro.
 Desenhei uma menina a pensar que está nas nuvens com os seus amigos. Todos estão dentro do arco-íris. Também fiz uma menina a pensar que está no mar.
 E tudo isto aconteceu enquanto os meninos liam um livro.

O Teatro do Rei Príncipe - Maria Esteves (4ºA)



   Olá, eu sou a Igreja do Seminário. Quando estavam a acabar o presépio, eu vi duas turmas que vinham para me visitar. Foram ver o refeitório, os jardins mas ouvi - os dizer que gostaram mais do teatro e não gostaram muito do corredor do Nobre. É o meu melhor corredor e mede 10 metros de comprimento e 4,5 de largura. Eles viram com atenção os meus azulejos em todo o lado que contam histórias dos séculos XVIII e XIX.
   O Teatro chamava-se O Rei Príncipe. A história conta-se assim.
   ... Era uma vez, três meninos que estavam a brincar no jardim, que se aborreceram e uma menina exclamou:
   - O meu avô João disse que no sótão das gargalhadas há um tesouro. Mas eu nunca o encontrei!
   Os outros concordaram em procurar e foram para o sótão. Quando chegaram encontraram o tesouro e várias roupas. Debaixo das roupas viram um livro que era muito pesado, e com muito pó. Começaram a ler, a ler e foram parar a setecentos anos atrás, no tempo de D. João II. Ele pensava que eles eram traidores, mas convenceram o rei que não eram. Então houve um baile e elas começaram a dançar e voltaram ao normal.
   E lá recebi eu, mais uma vez turmas de alunos do primeiro Ciclo.



O Rei Príncipe - Rafaela Dias (4ºA)


Posted by Picasa
Ontem fomos ao Teatro.
Eu tinha uma coroa na cabeça.
Eu estava no teatro e era uma princesa.
Eu atirei o meu casaco para o placo.
O teatro falava de um rei e de um monstro.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Nos 40 anos do Veto Teatro Oficina



   Ontem, sábado, doze de Dezembro o Veto, grupo amador de teatro de Santarém desfilou as suas memórias de quarenta anos a projectar emoções e a representar para tantas audiências aqueles que foram os marcos da sua história.
  O Veto, fundado em Outubro 1969 por um conjunto de apaixonados pela arte de representar e transfiguar o quotidiano, tem nestes quarenta anos dedicado-se à representação de peças para crianças, mas também à declamação de peças do teatro experimental. Bertold Bretch, Raúl Brandão nos anos setenta ou mais recentemente aqueles que foram marcas de uma cidadania, O Baile, Guilherme Tell tem os olhos tristes, Branco, Vermelho e Preto ou Macbeth Talvez.
  Os actores e actizes que têm dado corpo ao Projecto contaram as suas histórias e numa noite agradável desfiou-se um pouco desta memória, que nem sempre tem o reconhecimento e o apoio que merecia e que é necessário. 
 Necessário para a continuação da implementação de novos projectos, mas também para assegurar essa descoberta das outras moradas pessoais que moram em cada um de nós, como representações do homem perante o universo. É indispensável dar mais visibilidade a este tipo de iniciativas de modo a que se perceba uma maior participação das pessoas, da cidade, pois a cultura é condição essencial para um esclarecimento pessoal e uma participação cívica. 
  O teatro é nesse sentido uma resposta e uma oportunidade de serviço à comunidade e de desenvolvimento social.


Imagem, in vetoteatroficina.blogspot.com

Prémio Pessoa 2009



  O Prémio Pessoa é uma iniciativa do Jornal Expresso, com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos, que anualmente há vários anos destaca uma figura nacional que numa área científica ou cultural seja um exemplo e uma inspiração para todos.
   No presente ano, o Prémio Pessoa foi entregue a D. Manuel Clemente, bispo do Porto.
   D. Manuel Clemente é uma figura da Igreja que nela e fora dela tem procurado desenvolver uma atitude humanista e tolerante, onde se vislumbra uma profunda preocupação pelas questões da solidariedade e da exclusão social.
   É um homem que tem procurado dentro da Igreja inscrever a cultura e as suas questões na abordagem à sociedade e na decifração do que são os portugueses como povo. Tem por isso no campo da História uma obra muito interessante, onde as questões da cultura e da arte estão presentes.
  No momento em que faltam ao País instituições e pessoas capazes de mobilizar os cidadãos para uma ideia de serviço à conumidade, é essencial destacar pessoas que apelam em diferentes foros à responsabilização individual e à participação cívica. O seu próprio papel como bispo do Porto tem sido usado para levantar o ânimo a uma cidade a uma região que necessita de um estímulo para se reerguer das suas dificuldades no tecido económico e social.
 Sendo uma figura da Igreja, e sendo a primeira figura do clero a receber esta distinção, certamente novas janelas se abrirão para que aquela instituição cada vez mais possa influenciar a  discussão das questões e seja uma círculo de esperança para um País abandonado a uma ideia de futuro.





sábado, 12 de dezembro de 2009

Memória de Clarice Lispector

   Nos trinta e dois anos do desaparecimento de uma das grandes poetisas brasileiras deste século, a sua memória.


«Antes de me organizar, tenho que
me desorganizar internamente para
experimentar o primeiro e passageiro
estádio de liberdade, 
de liberdade de errar, cair e levantar.»



«Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas o que é
possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada»


«Sou o quê? um quase tudo (...)
Sou uma pergunta 
que não deseja ser respondida (...)
Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar.
E o meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto.
Quero tudo!
Agora!»


in, Clarice Lispector, Fragmentos
Imagem, in Dudadaze.blogspot.com 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os Direitos Humanos, aqui, neste País...

Os Direitos Humanos dizem respeito à dignificação da pessoa e, mesmo nas sociedades ditas democráticas eles são obstruídos por práticas quotidianas inexplicáveis e impensáveis numa sociedade realmente decente. Cada vez mais largas faixas da população, mulheres, crianças e velhos vivem em condições difíceis. É este um País feito para todos?  Abaixo um texto para ler e meditar.






A outra"face oculta"


"Coutada do macho latino" segundo a jurisprudência do STJ, este país não é para velhos. Nem para mulheres; nem para crianças. Mulheres já são 27 as assassinadas este ano pelos machos latinos seus companheiros; o abuso de crianças deixou de ser o escândalo que foi quando surgiram as primeiras notícias da Casa Pia e, de rotineiro, passou progressivamente das primeiras páginas para as interiores; e os velhos vivem e morrem por aí, resignados e em silêncio, enquanto o país discute negócios de milhões, robalos e trocas de telemóveis e a deputada do PSD Maria José Nogueira Pinto considera os míseros 80 euros do Complemento Solidário para Idosos "um ultraje e um insulto porque eles, diabéticos, vão beber cerveja e comer doces". Só no último ano, a Linha do Idoso da Provedoria de Justiça recebeu telefonemas de 3 348 velhos queixando-se de maus-tratos e falta de condições mínimas de vida e a Linha Recados da Criança de 883 crianças denunciando igualmente maus-tratos. E os que não telefonam ou nem sequer sabem que existe uma Provedoria de Justiça? A verdadeira e mais sórdida "face oculta" do país é esta.

Manuel António Pina, in JN on-line

Os Direitos Humanos no início do século XXI

   «(...) é necessário, antes de mais, ter uma grande humildade. Para penetrar no coração do oceano». (1)





   Há mais de dois séculos que o homem, como sentido de uma formação e inspiração cultural tenta fazer cumprir esse princípio simples que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, inclui no seu artigo primeiro, a saber, «Todos os seres humanos nascem livres em dignidade e direitos». No entanto, hoje, no início de um novo século, sessenta e um anos após a Declaração adoptada pela O.N.U., em dez de Dezembro de 1948, continuamos desastradamente num mundo profundamente desigual e injusto para milhões de seres humanos.
  Os direitos humanos negados em tantas zonas do Planeta são tão básicos como a falta de acesso a água potável, a pobreza extrema, a ausência de cuidados médicos básicos. Infelizmente neste quadro quantas crianças, não têm acesso à alfabetização, por ausência de uma escola. Em quantos locais é possível aceder a redes de comunicação, ou tão só manifestar a sua opinião. Pior. Quantos países não praticam a prisão e a tortura, apenas por qustões tão banais como a cor da pele, a religião, a tribo, a cultura? 
  É contra esta absurda tirania da humanidade, contra o sentido global do homem, contra esta ausência de consciência que importa lembrar os Direitos Humanos e apoiar os que no mundo contemporâneo lutam por essa dignidade perdida. E os exemplos são muitos, felizmente.
  Aung Suu Kyi, que na Birmânia procura lutar livremente pela afirmação do princípio da liberdade de opinião, capaz de dar ao povo birmanês um regime que respeita a sua própria cultura. Vítima da prisão, a Prémio Nobel de 1990 tem lutado com imensa determinação pela liberdade de pensamento na Birmânia., 
 Aminaitu Haidar, prémio Sakharov, encontra-se detida há quase um mês no parque de estacionamento de um aeroporto de um país europeu em greve de fome, impedida de voltar ao seu País e de estar com os seus filhos. O Sahara ocidental, ocupado por Marrocos continua na base deste problema de afirmação de uma comunidade. 
  São dois exemplos que devemos admirar e apoiar pela tenacidade de lutar por essa dignidade que é inseparável da humanidade. Os grandes países afirmam-se grandes ou mesquinhos pela forma como lidam com os Direitos Humanos. 
 Tucídedes, historiador grego, escreveu há muitos séculos que «a felicidade humana está dependente da liberdade e esta da coragem». Individualmente e colectivamente é importante denunciar e combater esta falta de respeito pelo património cultural da Humanidade, assim como apoiar as instituições que o promovem.





(1) Gandhi, in The Life and Thoughts of Mahatma Gandhi 
Imagens, in amnesty.org