segunda-feira, 1 de novembro de 2010

António Lobo Antunes

Sobre os livros e a vida
«É curioso isto, porque é e não é. É qualquer coisa que nos questiona, nos pergunta, que nos inquieta, que nos ajuda, que nos mostra a nós mesmos, que nos revela a aparição por debaixo da aparência. (...) Chegar ao interior dos interiores. Descer, onde estamos nós e os outros e nós no meio deles. Ao lermos um livro, estamos a ler uma pessoa também, seja qual for o livro.

Tenho a sensação que quando tenho o livro que eu gosto, estou em conversa com o autor do livro. Não sou só eu que o leio. Estamos lendo mutuamente e conversando e construindo um diálogo que se prolonga. Muitas vezes o livro só começa quando nós o acabamos de o ler e começa a fazer a sua viagem dentro de nós. Os grandes livros prolongam-se na nossa vida.

Os livros, os bons livros não trazem nem personagens, nem histórias. quanto muito a aparência de personagens e de uma história. Não existe profundidade. Há infinitas superfícies e dificilmente chegamos ao ponto central. Alcançamos um fragmento de um espelho. (...) A leitura foi sempre para mim um grande momento de alegria. uma fonte de auto-conhecimento, uma alegria e um deslumbramento, um espanto constante. (...)

«Tenho a impressão que há uma dor aqui no quarto, mas não sei se sou eu que a tenho» (C.Dickens). E até que ponto a dor é nossa, até que ponto a alegria é nossa, porque a nossa vida é feita de perguntas. Quando nós encontramos uma resposta, ela torna-se uma pergunta, que leva a outra pergunta, a outra pergunta. E diante da pergunta está o vazio, que eu espero seja preenchida por outra pergunta e outra pergunta.»


in, http//sicnotícias.pt (Jornal da Noite)

Sôbolos rios ...

"Sôbolos rios que vão
por Babiblónia, me achei,
onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nelas passei (...)

Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes (...)"

(Luís Vaz de Camões, do poema em que António Lobo Antunes se inspirou para dar título ao seu último livro. Tal como no poema a paisagem da distância entre o quotidiano e o sonho.)
Imagem, Dragan M. Babovi, Life, in http://www.1x.com