segunda-feira, 12 de abril de 2010

Recomeçar...


Foi mais difícil recomeçar. Todos sentiram a falta do seu entusiasmo, a energia de querer mostrar o melhor gesto, a melhor forma de fazer o que se imagina. Sentimos falta do seu andar torneado, dos gestos repetidos à procura de algo, do seu trabalho, dos seus gestos nos seus alunos.
Nesta manhã faltou-nos esse bom-dia empenhado nos gestos, essa forma quase curva de perguntar:
- Posso entrar? - Posso cá vir hoje?, é que estava a pensar...

Hoje, sentimos essencialmente a falta dessa energia, forma de uma determinação em levar os alunos a conhecer Miró, Van Gogh ou Picasso com a familariedade com que se fala do azul do céu ou do verde das florestas. Hoje, falta-nos essa capacidade de sugestão, de afirmar uma ideia pela actividade mais simples, na melhor forma de concretizar. Hoje, sentimos ausente esse acréscimo de planeamento da vontade, de fazer bem feito, do esforço iluminado em alcançar horizontes, como forma de tornar os gestos em rasgos de alma.

E temos a ausência destes dias onde em cada gesto perdemos o timbre da voz, procurando a essência do aroma com que escrevemos o quotidiano. A memória e o coração, deixou-nos esta experiência humana com que renascemos da solidão da voz. E no final o sorriso, parece ser o que mais nos guardará desse «dragão feroz, lobo, ou hiena»(2) que é o próprio tempo.

(...) E sem que o milagre se abrisse
As janelas da vida...
Então pertencer-me-ei.
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência.
E eu serei  o senhor da minha própria liberdade.

No silêncio de uma noite em que um navio
me levará para sempre.
Mas ali.
Hei de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre.» (1)

Imagem, in http://acidadesurpreendente.blogspot.com
(1) Ruy Cinatti, Quando Eu Partir
(2) Ana Maria Matute, Paraíso Inabitado