«O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão (...)
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão (...)
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço (...)
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço (...)
Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite
sobre meu país dividido em classes».
Ferreira Gullar, Não Há Vagas e Madrugada