«Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:
- Sei um ninho!
- Sei um ninho!
A mãe levantou para ele os olhos negros, a interrogar. O Pai, esse, perdido no alheamento costumado, nem ouviu. Mas o pequeno, ou para responder à Mãe, ou para acordar o Pai, repetiu:
- Sei um ninho!
O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas,e ficou atento, também.
A criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pitassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.
A Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.
Mas o menino continuou. Disse que então prendera a cordeira a uma giesta e trepara pela árvore acima.
De novo o Pai levantou as pálpebras cansadas, e ficou tal e qual a Mãe, inquieto, com a respiração suspensa, a ouvir.» (1)
A D. Quixote na colecção O Meu Primeiro/a, deu-nos no fim do ano de dois mil e nove, um livro de grande beleza. Um objecto onde todos, iniciados e os que ainda não descobriram o universo maravilhado de um poeta único da nossa cultura, justamente Miguel Torga, podem aceder em páginas de encanto.
João Pedro Mésseder escreveu o texto que nos apresenta os traços essenciais e profundos da vida do poeta do reino maravilhoso. Palavras de simplicidade gratificante, que chegamos a pensar que Torga foi sempre uma criança, um menino atrás da descoberta do mundo.
Inês Oliveira confirmou na graça e simplicidade esse olhar de quem pela vida transportou os pássaros, as árvores e o ar da montanha onde reconheceu a liberdade como característica inseparável da humanidade.
(1) João Pedro Mésseder, O Meu Primeiro Miguel Torga, Dom Quixote
Imagens, in http://www.inesoliveira.net
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