sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Memória de Sophia


     «Era uma vez uma quinta toda cercada de muros.
   Tinha arvoredos maravilhosos e antigos, lagos, fontes, jardins, pomares, bosques, campos e um grande parque seguido por um pinhal que avançava quase até ao mar.
   A quinta ficava nos arredores de uma cidade. O seu pesado portão era de ferro forjado pintado de verde. Quem entrava via logo uma grande casa rodeada por tílias altíssimas cujas folhas, de um lado verdes e de outro lado quase brancas, palpitavam na brisa.
   Era nessa casa que morava Isabel.
   Isabel nesse tempo tinha onze anos e por isso ia todos os dias da semana ao colégio, baloiçando a sua pasta cheia de livros ora numa mão ora na outra.
   Mas às quatro horas voltava para casa, lanchava a correr e saía para a quinta.

   Isabel não tinha irmãos e por isso sabia brincava sozinha e conversar com as árvores, com as pedras e com as flores.
   Todos os dias percorria a quinta. No Outono apanhava castanhas esmagando com o pé os ouriços verdes. No Inverno colhia violetas e camélias. Na Primavera trepava às cerejeiras para comer as primeiras cerejas doces, escuras e vermelhas. E também subia às árvores onde todos os anos havia ninhos, ninhos redondos feitos de ervas, folhas secas e penas e que tinham lá dentro quatro ovos vermelhos sarapintados de castanho. Caminhava entre o trigo que era como um doce mar, aéreo e leve. Às vezes passava horas a ler sob o caramanchão onde as flores lilases das glicínias pendiam em grandes cachos perfumados rodeados de abelhas. Ou caminhava devagar na luz verde do parque escutando o rumor das altas copas dos plátanos. E conhecia o lugar onde, escondidos entre as ervas e folhas, cresciam os morangos selvagens.»


Sophia, in A Floresta, Figueirinhas, págs. 5 e 6
Imagens, Katogi Mari
(Never, Forever e Through The Looking Glass)

Um Património Abandonado