domingo, 16 de maio de 2010

Zhu Xiao-Mei O Rio e o Seu Segredo

«Caminho pelas ruas de Zhangjiako.

Como muitas vezes antes, na minha vida, quis voltar atrás para encontrar a energia para seguir em frente. Zhangjiako, pensava eu, dar-me-ia coragem. Claro que a vida me trouxe muito. Mas também me quebrou, porque me levou a não gostar de mim, a duvidar incessantemente, doentiamente.

Com o tempo, sinto cada vez mais ao meu lado a presença de Bach e de Lao-Tzu. Ajudaram-me a ultrapassar as provações do passado, e ajudar-me-ão ainda a enfrentar as que me esperam, porque me parece que o mais difícil ainda está por vir: encontrar finalmente a liberdade interior. (...)

À noite, tenho dúvidas, tenho medo dos outros, de mim, e sinto com violência a minha impotência, a minha incapacidade para atingir a perfeição. Mas, de manhã, sei que ele está ali, na sala ao lado, à minha espera. É uma promessa de felicidade sempre constante. O meu piano.

Olho para o céu de Zhangjiako. E ouço a minha avó a contar-me

- Foi na noite em que nasceste...» (1)

(Um retrato indescrítivel de uma jovem que viveu esse pesadelo que foi a Revolução Cultural e nos dá, não só a violência sobre o indivíduo, a morte de qualquer intimidade com a consciência, mas sobretudo a forma corajosa de como com a Arte pôde sobreviver a esse pesadelo. Um relato verídico e fascinante de uma pianista, que com Mozart e Bach venceu os mais baixos princípios de um poder sem alma e virtude. A descobrir em qualquer livraria.)

(1) - Zhu Xiao-Mei, O Rio e o Seu Segredo

A «Revolução» Cultural

«A noite vai bem avançada. Dá-me um fósforo». (1)

Justamente há sessenta anos, iniciava-se uma das mais violentas formas de organização da sociedade no século XX. O Maioísmo, redundância de uma chamada revolução cultural aprisionou milhares de pessoas em condições onde a sua dignidade humana não cabia.

Caminho feito onde supostamente os operários e os trabalhadores reconstruiriam uma ordem justa de um novo País, foi uma forma mais que no século XX, se revestiu o autoritarismo desumano perante o indivíduo. Aplicação irracional da vontade um chefe e de uma nomenklatura conduziu milhares a uma vida sem horizonte e sem direito à vida.

Em muitas latitudes se confundiu a dinidade humana com essa palavra mítica, «revolução», onde mais não foi que a exploração mais baixa da humanidade. Não se repetindo a História, ela como memória deve-nos colocar de prudência para todas as formas onde o indivíduo deixa de ser a alma de uma Humanidade consciente da sua dignidade.

(1) Lu Yan, Melancolia