domingo, 17 de janeiro de 2010

Memória de Torga

«Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado, vai colhendo
ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.» (1)

Partiu há já quinze anos, no mês frio de Janeiro, um poeta que com as suas palavras nos soube devolver as particulares circunstâncias de cada um e a universalidade do sonho. Viveu uma aventura aqui, na luta incansável do «amor, da verdade e da liberdade», nas suas próprias palavras e transportou nas suas páginas, as cores difíceis e ternas de um território único. Poucas vezes um poeta soube incorporar na sua pele uma geografia tão evidente de grandeza e humanidade. Justamente Miguel Torga.
Dele, disse Eugénio:

«(...) É muito tarde para as lentas
narrativas do coração.
o vento continua
a tarefa das folhas:
cobre o chão de esquecimento.
Eu sei: tu querias durar.
Pelo menos durar tanto como o tronco
da oliveira que teu avô
tinha no quintal. Paciência,
querido, também Mozart morreu.
Só a morte é imortal» (2)

Imagens, in mardepedra.blogspot.com/Trás-os-Montes (Montouto-Vinhais)
(1) Miguel Torga, Sísifo, in MIguel Torga Diário XIII
(2) Eugénio de Andrade, «Nao Sei», in saldalingua.worpress.com