«E ela, tão delicada, uma flor tão delicada que vai deixando um rasto de perfume no chão que pisa, no ar que a envolve e eu, sempre acanhado, desconfiado, limito-me a contemplá-la e a adormecer revendo o sombreado dos seus olhos. Preparo-me agora para lhe dizer adeus. (...)
Contudo, no seu rosto muito jovem, desenhavam-se os amplos traços de sofrimento. Não que tivesse rugas precoces, não! mas a sua atitude mais evidente, era triste. De estatura média, magro, pálido, cabelo castanho claro acobreado. Os seus grandes olhos cinzentos de expressão por vezes alheada, às vezes curiosa, mas sempre melancólicos, proporcionavam o mais inquietante olhar que se possa imaginar. Falava baixo. Gostava de se vestir com elegância e era muito, muito sedutor. (...)
Realmente, Fryc não gostava de grandes audiências. Preferia um salão com uma dúzia de pessoas, um bom recanto e nesse recanto, um belo piano e se fosse um Pleyel, tanto melhor. Gostava então de se sentar ao piano e, quando menos se esperava, começava a tocar, primeiro lentamente afagando as teclas, tomando-lhe o peso, calculando qualquer razão inatingível. (...)
Quero tocar sim, mas em espaços mais fechados, com pouca gente, quero tocar no sossego dum salão, na sombra dum candelabro, no recato da penumbra, quase esquecido. (...)
Tranquilamente improvisou.
Chopin era o fogo!
O calor dos sons, o impulso da música, os leques de mulher, agitação nas cadeiras, olhos húmidos, corações acelerados, música; ele abre e fecha os olhos, respira, vive, vibra, quase que salta, quase que cai, quase que saltam, quase que caem as pessoas nas cadeiras, vinte e dois anos, corpo franzino, alma de génio, admiração, beleza, elogios, exaltações, cansaço e um brilho especial que cobre todo o seu corpo, todo o seu rosto.
Terminou o concerto.»