terça-feira, 23 de novembro de 2010

As Manhãs ausentes

"It was only one hour ago it was all so different then
So hard to move on Still loving what's gone" - Peter Gabriel - I Grieve

(Como caminhar nos espaços vazios, entre as manhãs de sorrisos de quem partiu tão abruptamente, quando ainda mal tinha começado a viver).

No octagésimo aniversário de Herberto Helder

Um poema cresce inseguramente (...)

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento (...)
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sortida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo (...)»

(Na celebração dos oitenta anos de um grande poeta, o maior deste século ainda tão novo e já tão velho, ou a miragem de perder um pouco a beleza no esforço humano em construir "as torrentes infindáveis de rosas". Natural da Madeira, de lá nos tem enviado as palavras de uma condição humana sempre interrogada e esquecida dos holofotes onde os gestos vãos enchem a virtualidade de um quotidiano sem brilho. Aquele que faz deste País, um território de sombras, onde a sabedoria dos poetas é irrelevante.

Herberto Helder, "Sobre um Poema", in Ofício Cantante

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"Era uma vez um trevo que nasceu diferente dos outros. A princípio era apenas uma pequena semente, igual a tantas outras, que começou lentamente a brotar da terra. Mas quando cresceu tornou-se logo evidente que não era como todos os outros trevos. Em vez de três folhinhas em forma de coração, ele tinha quatro."





(Gonçalo; Beatriz; Mafalda - 1ºA)

Do nascimento de um poeta

No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isso foi antes
de aprender álgebra

José Tolentino Mendonça, «A Infância de Herberto Helder»
(No nascimento de Herberto Helder)