quinta-feira, 29 de abril de 2010

A Festa dos Livros ... em Lisboa


«Era um pequeno livro de capa vermelha e marca-de-água dourada. Abri-o expectante como quem encontra um cofre e ansioso por conhecer o seu conteúdo. E não era para menos. Mal comecei a ler, compreendi que a aventura estava servida: a valentia do protagonista, as personagens bondosas, as malvadas, as ilustrações com frases em pé-de-página que observava uma e outra vez, o perigo, as surpresas,... tudo isso me transportou a um mundo apaixonante e desconhecido. Desse modo descobri que para lá da minha casa havia um rio , e que atrás do rio havia um mar e que no mar, à espera de partir, havia um barco.» (1)

(São alguns, muitos barcos que nos espreitam para essa viagem em cada página irrepetível de deslumbramento).

(1) Eliacer Cansino Macías, in Casa da Leitura

Solnado... Já tantos meses de saudade

«O cómico tem obrigação de ridicularizar pessoas, instituições, organismos que estão errados» (1)

O humor é a forma mais original da inteligência. Quando transporta em si os sentimentos das pessoas, aquilo que um conjunto social interioriza colectivamente, abrem-se portas de esperança e revelam-se as máscaras que insistentemente rodeiam o quotidiano. O Portugal dos anos sessenta era um território cinzento, amostra de uma pequenez intransigente.

Solnado foi para esse tempo uma marca na cultura portuguesa. A que sabia poder-se existir com ingenuidade, mas com esperança que o futuro era possível. Contribuiu para reabrir as portas fechadas do salazarismo. E fê-lo com graça, com delizadeza. Quantos terão conseguido com a sua graça fazer rir até os próprios censores. Ele foi esse mar que se quer transformar, pelo riso e pela inteligência.

As gravações da sua marcante obra estão agora a sair para o mercado. É uma oportunidade de recordar um homem imenso. Um actor que sabia ir da simples piada à genialidade, de com simplicidade revelar como o quotidiano era um aparência de felicidade e sempre com a doçura no olhar. O riso com Solnado foi uma arte séria, fresca. Foi uma acto de cultura e uma prova, podemos dizê-lo de amor pelas ideias mais nobres.

(1) Raul Solnado, Zip Zip