sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Caminhar ... entre as estrelas

(Nas noites em que a Terra, com a sua trajectória encontra o rasto de meteoros, formados na órbita do cometa Swift-Tuttle)

Memória de um sentido de vida ... Os Bombeiros


"Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. 


Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. 


Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar...


Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. 


Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. 


Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?"«


in Ferreira Fernandes, Diário de Notícias (12/08/2010)

Miguel Torga

«Sim, olhar a paisagem...
Olhá-la como um bicho
Ou como um lago.
Olhá-la neste vago
Sentimento
De pasmo e transparência.
Olhá-la na decência
Original,
Com olhos de inocência
E de cristal.»

Perco-me na paisagem,
Planáltico, também,
E, como ela, aberto aos largos horizontes.
Deambulo, parado,
A ouvir, alheado,
O silêncio das fragas
E a música do vento.
Deixo que o pensamento
Não tenha direcção
E seja apenas uma ondulação
A mais
da Natureza (...)»

«Falo da natureza.
e nas minhas palavras vou sentindo
A dureza das pedras.
A frescura das fontes,
O perfume das flores.
Digo e tenho na voz
O mistério das coisas nomeadas.
Nem preciso de as ver.
Tanto as olhei,
Interroguei,
Analisei
E referi, outrora,
Que nos próprios sinais com que as marquei,
As reconheço agora


in Miguel Torga, «Lição» , «Dispersão», «A Palavra», Poesia Completa II

(Nasceu, fez ontem, [há já alguns anos, cento e três, mais exactamente], e deu-nos na humanidade o mais intemporal da geografia, no silêncio das folhas contra o suspiro do vento nos vales, onde os homens habitaram o coração de um território, afirmando uma língua, uma identidade. Com ele, o granito, o planalto, o rio, a fraga encontrou uma humanidade mais próxima de nós. Nestes tempos em que o País pensa ser possível dispensar o território, será sempre uma voz maravilhada pelo valor imenso da terra e do solo, como forma de cultura.)