sexta-feira, 21 de maio de 2010

Evocar João Bénard da Costa

«O João Bénard é um menino. É um menino que, a cada momento da vida, acabou de descobrir uma coisa. É sempre uma coisa maravilhosa que tem de abraçar com muita força mas depois largá-la para poder mostrá-la aos amigos e partilhá-la com toda a gente.

Porque se não a partilhar, se não a cantar, se não se destruir a elogiá-la de maneira a ser tão irresistível como ele - até chegar a confundir-se com ele ao ponto de não sabermos qual amamos mais, se ele ou as coisas que ele nos ensinou a amar -, se não puder parti-la aos pedaços para poder dar um bocado a cada um, na esperança que todos a queiram reconstruir depois, ele já não é capaz de amar tanto aquela coisa, porque acredita que a coisa é grande e boa de mais para uma só pessoa e sente-se indigno de gozá-la sozinho. É assim o João Bénard.

O João Bénard é um amigo. É um amigo que, a cada momento da vida, faz sempre como se tivesse acabado de apaixonar-se por nós. Não lhe interessavam nada as coisas que mudaram; as asneiras que fizemos; a decadência em que entrámos; a miséria que subjaz às nossas opiniões ou o grau de petrificação das nossas almas. Para ele, somos sempre os mesmos. É um leal. Está sempre connosco como se fôssemos tão frescos como ele. Puxa-nos pela manga da camisa; protege-nos da tempestade; desata a rir no meio das encrencas; arranja tabaco clandestino; deixa-nos subir para os ombros para vermos melhor; para saltar para o outro lado; mostra-nos fotografias nunca vistas, de actrizes lindas, escondidas debaixo da camisola - e faz tudo descaradamente; não se importa de ser apanhado; não tem vergonha nenhuma; é um prazer estar com ele; parece que todo o universo está em causa. É assim o João Bénard.

O João Bénard é uma alma. É uma alma que, a cada momento da vida, desde que nasceu, sempre fez pouco do corpo e das coisinhas de que o corpo precisa. Tinha um corpo transparente, com a alma a ver-se lá dentro. Ou então era a alma que projectava o corpo no ecrã da pele. É por isso que todos nós o conhecemos como conhece Deus.

Deus, apresento-Te João Bénard. João Bénard, apresento-te Deus.» (1)

( Haverá melhor forma que um amigo para falar de um outro seu amigo? Miguel Esteves Cardoso, há um ano, no Público, sobre o Senhor Cinema, que hoje faz um ano que deixou de falar das imagens que reiventam os sonhos.)

Imagem, http://danossaladeia.blogspot.com

Parabéns Maestro

É sempre reconfortante destacar no mundo dos que vivem fisicamente pelos dias do quotidiano, a alegria da palavra, a ironia ao serviço da inteligência do pensamento e o imenso sorriso de quem compreende essencialmente o ser.

Nascido numa família de artistas, cedo revelou as suas imensas qualidades no campo da música. Estudante no Conservatório, chegou a Viena de Áustria como um aluno brilhante, onde revelou as suas excepcionais qualidades no estudo do piano. Desde esses locais onde a cultura ocidental setecentista e oitocentista brilhou nos olhos de Mozart, Lizt ou Beethoven, enviava para Portugal a sua sabedoria e esse olhar que ainda se recorda pela graça e pela simplicidade.

Compositor de uma imensa obra sinfónica aguarda ainda que um mecenas permita o registo da sua voz musical. Tem pelos locais mais recônditos comprovado o que tantas vezes historiadores e escritores têm enunciado. A curiosidade natural pelo belo, não tanto do público da capital, onde aparecem sempre os mesmos, mas na província, onde entre ovelhas e cabras, olivais e florestas se vai escutar um prelúdio de Lizt. Pela sua imensa capacidade de comunicar elevados valores através da simplicidade, o nosso agradecimento. Parabéns Maestro.