segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Leituras...

A Estrela



  «Todos os anos, pelo Natal, eu ia a Belém. A viagem começava em Dezembro, no princípio das férias. Primeiro pela colheita do musgo, nos recantos mais húmidos do jardim. Cortava-se como um bolo, era bom sentir as grandes fatias despegarem-se da areia, dos muros ou dos troncos das árvores velhas, principalmente da ameixieia. Enchia-se a canastra devagar, enquanto a avó ia montando o que se chamaria hoje as estruturas, ou mesmo infra-estruturas, junto da parede da sala de jantar que dava para o jardim. 


   Eram caixotes, caixas de chapéus e de sapatos viradas do avesso, tábuas, que pouco a pouco ela ia cobrindo de musgo, ao mesmo tempo que fazia carreiros e caminhos com areia e areão. Mais tarde os rios e os lagos, com bocados de espelhos antigos, de vidros ou mesmo de travessas cheias de água. Até que todos os caixotes, caixas e tábuas desapareciam. Ficavam montanhas, planícies, rios, lagos. Era um anova criação do mundo. Aqui e ali uma casinha ou um pastor com suas cabras. E todos os caminhos iam para Belém.


   Não era como o presépio da Igreja que estava sempre todo pronto, mesmo antes de o Menino nascer. A cabana, a vaca, o burro, os três reis do Oriente. Maria, José, Jesus deitado nas palhinhas. Via-se logo que era a fingir. Não o da avó, que era mais do que um presépio, era uma peregrinação, uma jornada mágica ou, se quiserem, um milagre. Nós estávamos ali e não estávamos ali. De repente era a Judeia (...)».


 Manuel Alegre, «A Estrela», in Revista Invista Nº6, Dezembro de 2000
Imagem, in Lisa Evans, Estrelas
   

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