domingo, 31 de janeiro de 2010

31 de Janeiro de 1891

«Entre monárquicos e republicanos, em Portugal, não há diferença de crenças. O que há é diferença de posições. Republicanos somos todos nós, mesmo os monárquicos. Se estes aceitam a monarquia, é porque a monarquia, existe, nada mais». (1)

A 31 de janeiro de 1891 eclodia no Porto uma revolta militar que procurava pela primeira vez instalar em Portugal o regime republicano. Nos finais do século XIX um conjunto de condições tinha desacreditado a monarquia e os seus governos. Além da crise económica e social, a difusão de ideias socialistas, mas acima de tudo o desenlace em relação ao Mapa Cor-de-Rosa. Pretensão de um País com um resto de Império que ainda ambicionava chegar às importante matérias-primas do continente africano. O triunfo da ideia republicana passou muito pela propagande de que só um novo regime poderia ultrapassar essa humilhação face aos ingleses, mas também as consequências que se sentiam fruto da desvalorização da moeda, da quebra dos investimentos ou das falências.

Importa destacar que o Porto era um local priveligiado, como o tinha sido durante as lutas liberais, pelas características únicas que sempre teve. Uma burguesia que ambicionava construir novos caminhos de progresso, uma ideia de cidadania e um patriotismo tão específicos. Terra de mercadores, viajantes era uma cidade que via naquela cedência uma falha e um retrocesso às lutas liberais a que tanto tinha dado.

Comemorar hoje o 31 de Janeiro deve conduzir-nos a esta ideia de generosidade e de autenticidade própria que o Porto sempre cultivou. Essa ideia de que o Porto é, desculpem-nos a audácia, sempre será, uma geografia que apenas luta consigo próprio para se afirmar diferentemente e ser aquilo que Agostinho da Silva falava com o seu brilho de sempre, «uma ilha rodeada por Portugal». Comemorar o 31 de Outubro de 1891 deve ser também uma oportunidade para avaliar melhor e clarear a luz que incide sobre este período histórico. Existem muitas certezas que não correspondem àquilo que era de facto a Monarquia e o Partido Republicano, no início do século XX. A seu tempo voltaremos a esta questão, aquando do regicídio e naturalmente da implantação definitiva em 1910.

(1) João Chagas, João Franco, «A estranha morte da monarquia Contitucional»
in, História de Portugal, José Mattoso (direc.)

Ghandi

«Gerações futuras mal poderão acreditar que um homem assim, em carne e osso, tenha alguma vez andado por este Planeta.» (1)

A trinta de Janeiro de 1948, despedia-se deste mundo físico um homem de uma imensa grandeza, que com simpilicidade, determinação e beleza soube congregar em si a dimensão única da conscieência da Humanidade. Fez da verdade e da justiça a sua causa de vida, enfrentou o Império britânico com a força do espírito, com a sua satyagraha, onde juntou a sua preocupação com os outros à ideia de não-violência.

Mostrou-nos como as causas são um património de todos, maiorias e minorias e que a injustiça, mesmo de um só homem, é ainda uma injustiça. Com a sua vida exemplificou a procura da identidade que há em cada ser humano e como a paz e a harmonia tem de ser uma acção não só de pessoas, mas também de nações.

A sua importância no século XX é imensa. Pois a sua acção e o seu exemplo deram a diferentes povos a convicção que podiam lutar pela sua individualidade, condição essencial para existir liberdade política e desenvolvimento social. Todos os que ambicionaram lutar contra todas as formas de tirania no século XX se inspiraram no seu exemplo. As marchas que conduziu, as greves de fome que realizou deram a homens e povos a noção de como com imaginação se lutava contra a opressão e se caminhava em direcção a uma Humanidade mais justa.

Chamou-se Gandhi, Mahatma Gandhi (a grande alma), perdeu a vida entre a intolerância que se gerou na independência entre a Índia e o Paquistão, mas permanece com a sua figura de aparência frágil, como a consciência da humanidade. Mesmo que nestes tempos pareça difícil lutar com as suas armas de resistência civil e delicadeza, permanece o seu superior exemplo por um mundo melhor, a consciência do que humanamente poderemos ser.


(1) Albert Einstein, citado de Ghandi, Richard Attenborough
Imagens, in renovomedia.com

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

«Conta-nos uma História»



Promovido pelo PTE (Plano Tecnológico da Educação) através da DGIDC (Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular), apoiado pelo Plano Nacional de Leitura e pela Rede de Bibliotecas Escolares, está a decorrer um concurso destinado à criação de podcasts, com base em histórias lidas pelos alunos. Esta iniciativa  dirige-se aos alunos do pré-escolar e do 1º Ciclo.
A iniciativa procura envolver os mais jovens na leitura e reconto de histórias, utilizando as tecnologias de gravação de digital áudio. Os que que desejarem participar devem fazer a sua candidatura on-line até quinze de Fevereiro. Para conhecer mais pormenores, aceder aqui.

Auschwitz - Explicar o Inexplicável


«Esta censura, estas perseguições aos espíritos livres, o incêndio de bibliotecas e a corrupção das universidades haveriam de merecer a tua indignação, mesmo que ninguém tivesse levantado a mão contra os da minha raça.

(...) Há momentos que são muito maiores do que os homens que os desencadeiam. (...) Que podes tu saber disto, tu que te limitas a ficar sentado a sonhar? Nunca viste Hitler. É uma espada desembainhada. É uma luz brilhante, mas tão ardente como o sol de um dia novo». (1)

Passam hoje sessenta e cinco anos sobre a libertação do campo de extermínio de Auschwitz pelos aliados, a vinte e sete de Janeiro de 1945. A data taz-nos à memória algo que nos coloca questões que não são do passado, mas que servem para interrogar o presente. Conseguem as sociedades, pela sua evolução criar um património cultural capaz de proteger os direitos básicos da Humanidade?

O nazismo é um fenómeno que está permanentemente sobre a interrogação dos historiadores, na medida em que ele representa a mais difícil explicação que se pode dar aos acontecimentos que decorreram entre os anos trinta e 1945. Como foi possível? Esta é a questão. Como foi possível que no País com um património cultural tão rico, que na terra de Goethe, Einstein ou Beethoven, entre tantos, fosse possível acontecer a tragédia de encaminhar para a morte tantos milhões de seres humanos? Como foi possível que o espírito humano se tivesse quebrado de forma tão radical perante uma doutrina absurda que propagava a morte?

É preciso dizê-lo. O nazismo representou no século XX, a maior regressão da História da Humanidade. Um poder absoluto feito de loucura fez da violência gratuita o emblema de um regime. Mas o regime não esteve isolado. Teve até sinais de popularidade que não são de desprezar. Encenando, protelando, o regime ganhou admiradores. E é isto que é difícl de explicar. Como acreditaram milhões de alemães no seu Fuhrer, acabando tantos dispostos a por ele morrer, por esta sinistra realidade? Evidentemente que houve opositores, mas o seu número foi insignificante. E é isto que é dificil de explicar numa sociedade com as representações culturais que a Alemanha tinha.

Evidentemente que se encontram respostas, mas elas são insuficientes e não nos explicam como se pôde organizar e sustentar esta doença do espírito que foi o Nazismo. Naturalmente, o Tratado de Versalhes, mas também a crise económica e social, a crise monetária, a propaganda, o armamento do regime. É pouco para a criação deste mal absoluto que respirava beleza no sofrimento humano.


Não é fácil dizê-lo. Mas o mal pode ser servido por génios. O nazismo levanta-nos a importante questão de saber como a História se relaciona com a cultura e como esta muitas vezes é já uma expressão de ideologia ao serviço de causas destruidoras da humanidade. Nos 65 anos da libertação de Auchwitz é importante lembrar pela vítimas, pela memória, mas também para acautelar formas perigosas no futuro.

Se a História é irrepetível, as formas da sua desumanização estão ao alcance da consciência dos homens. Se há uma constante histórica, é aquela que um piloto da Luftwaffe confidenciava no fim da guerra: «As guerras podem ser causadas por indivíduos fracos ou cretinos do ponto de vista moral, mas são combatidas e suportadas por gente muito decente». (2)

(1) Katherine K.Taylor, Desconhecido nesta morada

(2) Angela Lambert, A vida perdida de Eva Braun

Imagens, in http://en.auschwitz.org

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Evocar a simplicidade



«Aquele que possui em si a plenitude da virtude é como uma criança acabada de nascer» (1)

Mozart, Wolfgang Amadeus Mozart nasceu em Salzburgo a 27 de Janeiro de 1756 em Salzburgo. Filho de um compositor, revelou desde cedo, nas cortes europeias o carácter único do seu génio. De Salzburgo às cidades italianas, a Paris, a Manmheim (Munique) e a Viena espalha o seu imenso talento, dando concertos, ensinando música e publicando as suas obras (concertos, cancões, óperas).

Mozart ensaiou levar a sua música, o seu génio, palavra banal para o descrever, dispensando o apoio e o patrocínio das figuras sociais mais importantes. Julgou possível encantar o público apenas com o seu talento. Tentou afirmar o papel do músico como um homem livre do poder real, apresentando-se com dignidade de carácter na sua nobre arte. E pagou por isso um preço elevado. No século XVIII um músico tinha tanta dignidade como o cozinheiro da corte e a mediocridade de tantos que a habitavam trouxeram-lhe dificuldades.

Mozart viveu dificuldades financeiras, enfrentou problemas de saúde, morrreu com apenas trinta e cinco anos. Falar dele é quase uma inutilidade, na medida em que as palavras jamais transpirarão o sentimento, o encanto, a simplicidade das suas notas musicais. Einstein comparava-o como uma revelação do universo, uma luz inexplicável. Ele foi-o, mas também uma figura que procurou com as suas criações revelar como o homem podia construir o seu caminho na aventura de conhecer o mundo e de nele intervir.

Sendo hoje uma banalidade, não o era no século XVIII. Que valores morais pode o homem trilhar? Apenas os indicados pela religião, ou também os da sua consciência? Esta procura deve ser encaminhada pelo Estado ou é uma procura individual a que todos devem ser tolerantes? Don Giovanni, é uma das suas obras que levanta estas questões. Apesar de eliminado no final, já se pressentem os conflitos que na era industrial se colocarão ao Homem. Também por esta dimensão não é difícil concluir com Zhu Xiao - Mei que Mozart foi «uma criança que teve a profundidade de um velho sábio».
Apenas um excerto da sua universalidade (Sonata K332 tocada por Maria João Pires). Aqui.
(1) Zhu Xiao-Mei, O Rio e o seu Segredo
Imagen, in classicalmucic.about.com

Profª Cláudia Santos

Passagem por Santarém
Foi breve, mas bastante positiva a minha passagem por Santarém, particularmente pela Biblioteca da E। B. 1 dos Leões.
Foi-me sugerido que desenvolvesse algum material pedagógico sobre a Educação para a Saúde, especialmente a abordagem da Educação Sexual. E daí surgiu um projecto que decidi “abraçar” que consistiu na criação de uma Maleta Pedagógica.
Esta maleta teve como objectivo abranger várias temáticas essenciais para a saúde, das quais evidenciei a alimentação, a higiene, os sentidos e a educação sexual.
Ainda me foi possível deixar material para ajudar as crianças no desenvolvimento do pensamento através de variadas fichas, conjunto ao qual intitulei de “Oficinas da Escrita”.
O meu obrigado pela hospitalidade e pela experiência.

Professora Cláudia
(A «equipa» da Biblioteca da EB1 dos Leões considerou esta participação da Profª Cláudia muito interessante pelas possibilidades acrescidas que teve, durante um curto período, de desensolver um conjunto de materiais, no apoio ao currículo. Desejamos-lhe felicidades para o seu futuro profissional).

Leituras...

Há duzentos e cinquenta e quatro anos nascia em Salzburgo um menino que se tornaria um génio da música. Expoente de uma expressão cultural, foi muito mais do que isso. Representou uma ruptura no caminho difícil de permitir ao Homem construir o seu conhecimento do Mundo. Incompreendido, lutou sempre usando a liberdade e a convicção. Deixamos aqui uma sugestão de leitura que nos revela a sua grande dimensão de ser humano, as cartas que escreveu à sua família. Nelas se percebem os valores essenciais que a sua música sempre exprimiu com simplicidade.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Amor, o Sorriso e a Flor


É uma das figuras imortais dos nossos dias. Cantou a beleza, os encontros e desencontros dos seres humanos, revelou as paisagens quotidianas de um País diferente que ajudou a criar e participou na dinamização de um movimento cultural de grande valor, A Bossa Nova. Chama-se António Carlos Brasileiro Jobim e a sua arte musical e poética encheu de graciosidade todos os que tiveram a oportunidade de o ouvir.

Nasceu a 25 de Janeiro de 1927 no Rio de Janeiro e foi compositor, pianista, maestro, conversador nato e criador de uma paisagem poética que deslumbraria o Mundo, revelando como a cultura pode criar um País novo. Com simplicidade, continua a encantar-nos. Um poema e um excerto da sua magia.

Desafinado

Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, que isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração

Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar, viu
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito
Bate calado, que no peito dos desafinados
também bate um coração.”

domingo, 24 de janeiro de 2010

Humanitas, Felicitas, Libertas

«Não existindo já os deuses e não existindo ainda Cristo, houve, de Cícero a Marco Aurélio, um momento único em que só existiu o homem.» (1)
O tempo está já muito distante de nós. Toda a reconstrução é de certo modo feita à imagem que dele temos, mas ainda recorrendo às formas materiais que o Alto Império deixou de uma civilização grandiosa e enigmática. Herdeiros da cultura grega, mas com um sentido mais prático da sociedade, menos dados a riscos por grandes ideais, os Romanos legaram uma civilização material riquíssima e influenciaram áreas essenciais das sociedades futuras. O Direito ou a Língua é apenas o mais visível.

Uma das suas figuras mais interessantes do Império, nasceu a 24 de Janeiro do longínquo ano de 76, ficou conhecido só por Imperador Adriano. Nasceu em Itálica (actual Espanha), sendo descendente de colonos romanos e era primo de Trajano (imperador de 98-117) que viu nele quase um filho. Desempenhou vários cargos, como governador da Síria, tribuno de várias legiões, comandaria a Minerviana (a mais gloriosa) e sucederia o seu primo no governo do Império em 117.

A importância de Adriano revela da sua noção que tinha do Império, um espaço humano que devia preocupar-se mais com o sentido da vida dos homens que o habitavam que a contínua construção de um império sem fim.Tendo aprendido com os Gregos a dimensão do homem, tentou esbater as diferenças entre os muitos ricos e os muito pobres, renunciou às contribuições das cidades para o Imperador, tentou dinamizar o cultivo das terras, ensaiou dar mais dignidade ao papel da mulher no casamento ou fez ainda a substituição, quando possível do escravo pelo colono livre.

Humanidade, Felicidade, Liberdade, símbolos de uma governação que deseja, mais do que espera a renovação do valor humano, em pontos alternativos do tempo, para a reconquista, ainda que efémera da dimensão justa do homem, «a sua intermitente imortalidade». (2)

Aqui deixamos um livro que levanta com grande sabedoria os traços de um homem, o Imperador Adriano. Escrito pela primeira mulher, (Marguerite Yourcenar) que integrou a Academia Francesa das Letras é uma lição viva do que é fazer uma biografia histórica. Um livro que durou vinte a nos a ser escrito, mas que conseguiu chegar à palavra, ao desejo, ao sentido mais íntimo de um homem. Uma obra-prima sobre a nossa dimensão no seu sentido mais global.

(1) ; (2) Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano
Imagem, Busto de Adriano, Museu Arqueológico de Atenas

Bright Star

«A Thing of beauty is a joy for ever» - John Keats
(Uma coisa bela é uma alegria eterna)

Jane Campion filmou a vida do poeta inglês John Keats e dá-nos em Bright Star uma visão inspirada da sua breve vida. Keats, um dos dos mais importantes poetas do romantismo inglês, viveu entre o fim do século XVIII e o século XIX. É também um quadro que nos dá o modo de vida e os ambientes de uma Inglaterra no tempo em que em França o vulcão da Revolução Francesa tinha trazido dúvidas e interrogações. É a história da breve vida de Keats, o empenhamento de um poeta pela escrita e pelas emoções e aquilo que o ser humano sente perante a perda. É um filme sobre a poesia. A ver numa sala próxima de si.

«(...)quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo; (...)

um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me dêem a hora sonhada!» (1)

(1) John Keats, «Soneto», in acqua.wordpress.com

Imagens e Projecto. Aqui.

sábado, 23 de janeiro de 2010

A Textura colorida das cores

Na ausência de podermos olhar para um morango, uma maçã, a água do rio, a folha caída de um Outono tardio, como a explicaríamos? Como traduziríamos por palavras a textura de uma maçã, como a sentiríamos se não a víssemos? E a que sabe o chocolate quando o saboreamos, que palavras usaríamos? E se fosse possível pegar num livro, abri-lo e através do toque extrair sensações e experimentar uma viagem?

É esta a proposta de um livro muito especial, O Livro Negro das Cores de Menena Cottin e Rosana Faria, que a Bruáa editou e que chegou às livrarias no início de Janeiro. Com pequenas frases nas páginas à esquerda onde existe a linguagem braille, e apresenta nas páginas à direita, lindas imagens, a negro, onde o relevo permite descobrir sensações e emoções.

Livro premiado no Bologna Ragazzi em 2007, considerado o melhor Álbum ilustrado pelo New Yor Times em 2008, recebeu ainda entre outras distinções, a escolha da NCTE (NCTE Notable Children's Book in the Language Arts) em 2009. Para uma descoberta mais detalhada, ver aqui.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Martin Luther King ... nas suas palavras


«(...) me limito a ser um fiel guardião em nome dos seus verdadeiros donos - todos aqueles para quem a beleza é a verdade e a verdade a beleza - e em cujos olhos a beleza da irmandade genuína e da paz é mais preciosa do que os diamantes, a prata ou o ouro.» (1)

«Porque é absolutamente necessário percebermos que a paz não é só a ausência de uma força negativa, mas antes a presença de uma força positiva. A verdadeira e genuína paz não é somente a ausência de tensão, mas a presença da justiça e da fraternidade.» (2)

«Todos os homens vivem entre dois reinos, o interior e o exterior. O interior é o reino dos objectivos espirituais transmitidos através da arte, literatura, moral e religião. O exterior é aquele conjunto complexo de aparelhos, técnicas, macanismos e instrumentos através dos quais vivemos. O nosso problema, hoje em dia, é que deixámos que o interior se perdesse no exterior. Permitimos que os meios pelos quais vivemos se distanciassem dos objectivos para que vivemos.» (3)

«Eu tenho um sonho que um dia as minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver numa nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu carácter. Eu tenho um sonho hoje! (...) E quando tudo isto acontecer, quando nós permitirmos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em todo o estado e toda a cidade, nós poderemos acelerar aquele dia, quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir as mãos e cantar nas palavras do velho espiritual negro:«Free at last, Free at Last.» (4)

(Neste mês de Janeiro, justamente a quinze, em Atlanta no ano de 1929, em Atlanta, há oitenta e um anos, nascia um dos homens mais inspiradores do século XX e da consciência da própria Humanidade, Martin Luther King. Com alguns dias de atraso, aqui fica a memória de um homem que apenas quis ser recordado como alguém que dedicou a sua vida a servir os outros e que serviu a humanidade e a amou profundamente.
Dinamizador dos direitos civis, foi um lutador corajoso contra a injustiça, a descriminação racial, em palavras e gestos de grande humanidade. A sua vida é uma inspiração para a construção de uma sociedade mais perto do coração do homem, onde a esperança e a luta pelas causas justas seja sempre um sentido de vida. À frente, o seu último discurso, pois não há tradução que traduza as suas palavras e a sua energia pela esperança de um sonho por um mundo melhor.)

(1) Na recepção do Nobel (1964)
(2) Comunicação feita na Fellowship of The Cooncerned (1961)
(3) Comunicação feita em Bal Harbour (1961)
(4) Na Marcha de Washington (28 de Agosto de 1963)

Imagem, in osilenciodoslivros.blogspot.com

George Orwell


Foi um dos escritores que mais influenciou o século XX. Deixou há sessenta anos (feitos ontem) uma obra importante que soube diagnosticar a tragédia humana que representou o século XX em tantas geografias. De «A Quinta dos Animais», entre nós, «O Tiunfo dos Porcos», a 1984, a sua obra traçou, como uma alegoria, os mecanismos do desprezo pela humanidade que marcaram significativamente o século passado.

Orwell, demonstrou com clareza, como o controle da informação, o apagamento da memória, a destruição de uma consciência humana, a ausência da individualidade, o apagamento da espiritualidade construiram regimes inquietantes, feitos de angústia e sofrimento de dimensões indescritíveis. Revelou nas suas páginas, o que muitos respeitados intelectuais não souberam verificar, quando as marchas de paz no Mundo, eram a expressão armadilhada de uma doutrina de tirania.

No início deste século XXI, num tempo que assistiu à difusão de regimes democráticos, as suas palavras têm ainda alguma pertinência? A sociedade e o mundo alteraram-se de diferentes formas, mas a promessa de uma humanidade «feliz», onde a dignidade seja respeitada continua por construir. Ao poder esmagador dos estados autoritários do século XX, assiste-se pela fragmentação dos poderes tradiconais à mesma limitada oportunidade que o indivíduo tem em garantir a sua voz de individualidade.

As transformações tecnológicas têm contribuído para isolar o indivíduo, pelo controle quase de ubiquidade que as máquinas permitem e pelo tempo desperdiçado na sua aprendizagem que nunca poderá ser de igual riqueza ao que se dispende a alimentar o conhecimento dos outros. Sendo o tempo uma realidade tão preciosa, a evolução económico-social tem garantido a liberdade humana, nas instituições que devem garantir a Democracia? Tocqueville há dois séculos lembrou que para as sociedades democráticas, as que respeitam a identidade humana, o mais perigoso é que «no meio das pequenas ocupações incessantes da vida privada, a ambição perca o seu ímpeto e a sua grandeza.» (1)

(1) Alexis de Tocquevil, Da Democracia na América
Imagens, in http://blogs.telegraph.co.uk

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Audrey Hepburn






Dezassete anos depois a lembrança de uma actriz de sorriso doce, de um tempo em que o cinema era ainda uma entrada artesanal no sonho e na aventura de descobrir. Evocação de fitas que acompanharam várias gerações. De Roman Holiday a Breakfast at Tiffany's, até My Fair Lady, mas também a generosidade por causas nobres. Audrey Hepburn, quando o tempo ainda parecia domesticado pela doçura do sorriso. Fica a sua lembrança, na memória dos dias.
Imagens, in  http://www.adorocinema.com

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Evocar Eugénio

Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém - mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar,

para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade, in «O Sal da Língua», Fundação Eugénio de Andrade

O retrato de um Amigo

« Cocteau dizia que há homens com com coração de diamante que apenas reagem ao fogo e a outros diamantes e negligenciam o resto. É junto destas raras vocações de sarça ardente que me sinto em família, o que equivale a explicar que quase sempre estou só. Mas não posso queixar-me: os acasos da vida ou o facto de navegar, por instinto, na direcção certa, fizeram que encontrasse, de longe em longe, Açores e Madeiras no vazio das ondas, (...)

Eugénio de Andrade, vulcões de camaradagem exigente e limpa, ilhas fraternas de rigorosa ternura, abrigos de pedra suave onde encostar a inquietação da febre, pessoas que nos reconciliam com a noite mais escura da alma de que Scott escrevia, por dela nos trazerem vestígios da manhã. E é de Eugénio de Andrade que falo hoje, perpétua varanda de basalto em chamas de frente para o mar.

Chamam-lhe o amigo mais íntimo do sol: de acordo, se o sol for obstinado e severo. Chamam-lhe poeta: de acordo, se as palavras nos trazem notícia da veemência do sangue. Chamam-lhe difícil: de acordo, se notarem a bondade de menino na pomba do sorriso que de tempos a tempos acende os passos seus e os nossos e nos mostra a única vereda que caminha a direito, macieiras fora, na direcção do rio. Não conheço ninguém com gestos tão longos e com uma tão aguda inteligência de alma. Onde poisa a atenção do ouvido tudo se torna búzio. Onde descansa os dedos tudo se torna gato comedido e atento. Onde os olhos lhe nascem aprendemos com ele o intransigente júblio do mundo. E no entanto que geografia de dor no país do seu rosto, que discrição no sofrimento, que impediosa dignidade medida em cada sílaba. A total ausência de vaidade do seu orgulho foi o que, ao encontrá-lo pela primeira vez, mais profundamente me comoveu.

José Cardoso Pires, que não tinha admiração fácil, contou-me do poema que Eugénio compôs na morte de José Dias Coelho, quando os heróis retrospectivos se calavam de medo nos anos de alcatrão sujo da ditadura. Não um panfleto, não um manifesto, não um grito: apenas a serena voz de um homem falando de outro homem, fitando-nos da sua altura terrena e, por consequência, desmedida. Um dos seus livros intitula-se Rente ao Dizer e esse rente ao dizer, despido do que não é corpo, devolve-nos a nós mesmos na condição de bichos sublimes em que nas páginas que acede a publicar nos tornamos.

Ainda que em guerra Eugénio reconcilia-nos connosco ao deixar entrever os degraus que nos falta subir para estarmos lá em baixo, no lugar que é o nosso, manchados da comovida urina e dos líquidos obscuros que nos protegem ao nascer e nos esperam, na sombra da morte, a fim de nos ajudarem a partir, pobres criaturas mudas vestidas de ranho e de poeira celeste. Para além da amizade que nele é dura e nobre, isto lhe devo também: o retrato da minha condição e a certeza de que algo para além de mim continuará nos seus versos, seja pássaro, nuvem ou laranja madura.

Escrevi um dia que quando o coração se fecha faz mais barulho que uma porta. Não imagina como lhe agradeço, Eugénio, que o seu se mantenha calado num vigilante desvelo, convidando-me a entrar onde uma máscara de bronze nos aguarda para ficar connosco, naquela sala aberta rumo às palmeiras da voz. » (1)

António Lobo Antunes, sobre Eugénio, num retrato de um amigo, no dia em que lembramos o nascimento de um poeta que de forma imensamente bela nos deu a musicalidade e os limites do coração perante o tempo.

(1) António Lobo Antunes, «Bom Dia Eugénio»,
in Segundo Livro de Crónicas, Págs. 301-302, D. Quixote

domingo, 17 de janeiro de 2010

Memória de Torga

«Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado, vai colhendo
ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.» (1)

Partiu há já quinze anos, no mês frio de Janeiro, um poeta que com as suas palavras nos soube devolver as particulares circunstâncias de cada um e a universalidade do sonho. Viveu uma aventura aqui, na luta incansável do «amor, da verdade e da liberdade», nas suas próprias palavras e transportou nas suas páginas, as cores difíceis e ternas de um território único. Poucas vezes um poeta soube incorporar na sua pele uma geografia tão evidente de grandeza e humanidade. Justamente Miguel Torga.
Dele, disse Eugénio:

«(...) É muito tarde para as lentas
narrativas do coração.
o vento continua
a tarefa das folhas:
cobre o chão de esquecimento.
Eu sei: tu querias durar.
Pelo menos durar tanto como o tronco
da oliveira que teu avô
tinha no quintal. Paciência,
querido, também Mozart morreu.
Só a morte é imortal» (2)

Imagens, in mardepedra.blogspot.com/Trás-os-Montes (Montouto-Vinhais)
(1) Miguel Torga, Sísifo, in MIguel Torga Diário XIII
(2) Eugénio de Andrade, «Nao Sei», in saldalingua.worpress.com