«Estamos ainda longe de praticar a democracia». (1)
As sociedades mais saudáveis, capazes de se avaliar nas suas dificuldades e nas suas superações interiorizam aquilo que é o seu percurso histórico. Passaram trinta e seis sobre o 25 de Abril. É importante, indispensável analisá-lo como memória do passado, mas também como elemento essencial da História Contemporânea, em que vivemos.
O movimento dos capitães representou o grande acontecimento da História Contemporânea portuguesa do século XX. A evolução foi imensa em aspectos tão essenciais como o acesso à escolarização, a mortalidade infantil, as condições materiais de vida são incomparáveis. Mas é evidente que se vive, que se sente um imenso desânimo, um ar de fim de regime pela junção de factores muito preocupantes.
Do processo revolucionário não saiu um estado Democrático plenamente erguido em alicerces de soberania na justiça, de coesão social, de valores educativos sólidos. O contrato eleitoral, base de eleição num sistema democrático tem-se tornado irrelavante. Sente-se que qualquer promessa vale, independentemente da sua veracidade, da sua oportunidade e da sua justiça para os dias das pessoas.
A integração europeia deu-lhe sustentabilidade económica, formulação jurídica, mas o conteúdo revelou-se limitado. Não temos um verdadeiro espaço público que fundamente ideias. As associações culturais têm pouca influência no arco da governação. Os empresários não assumem projectos de risco e de integração social. A sociedade civil não tem mecanismos para fazer valer os seus direitos de forma plena. Os valores humanistas foram substituídos por uma legião de tecnocratas que apenas admite como valor o aspecto utilitário das acções quotidianas.
Os partidos políticos alimentados por uma visão pouco crítica do País, remando em facilidades de curto prazo, o horizonte da eleição, preocupam-se com a reprodução do poder, sem olhar para a identidade, para as necessidades das pessoas, para o território onde vivem. Sem grande representatividade social, são alimentados por pessoas que acedem aos cargos mais importantes sem terem dado prova das suas ideias, ou de as terem executado em qualquer comunidade. O casting feito pelos partidos é imposto à sociedade com regras que a maioria não compreende.
É verdade que se ganhou a Liberdade, que não é possível ser preso sem culpa formada, sem a intervenção de um tribunal. É verdade que podemos ler os jornais livremente, adquirir um livro sem restrições. Mas sente-se que podia, deveria ter sido possível criar uma Democracia em que os políticos em vez de proclamarem ideias como quem dá rebuçados, tivessem um plano, uma ideia de País.
Em cada aniversário de Abril depositam-se umas flores, vêem-se umas imagens, organizam-se uns desfiles, mas nada disso é essencial. O 25 de Abril tem de valer ser recordado pelo que permitiu construir, não pelos frutos amargos que desapareceram. E para isso é preciso construir a memória. É indispensável não apenas apelar ao voto de modo circunstancial, mas ter uma atitude que seja um exemplo para o País. Para tal, não basta propor uma dedicação momentânea à cultura, ao mar, mas olhar com inteligência para aquilo que é a sua identidade.
As sociedades não são um mar plano, definido, previsível. O País caminha perigosamente para uma falta de credibilidade das suas instituições, onde os valores parecem uma miragem. Sem eles arriscamos aquilo que Pessoa dizia há algumas décadas. Existir apenas, «isto é viver, numa civilização, sem verdadeiramente fazer parte dela e do seu desenvolvimento.» (2)
(1) José Gil, Em Busca da Identidade
(2) Miguel real, A Morte de Portugal