quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Autor do Mês na Biblioteca


«Envolvidas numa redoma de saudade que nunca foi quebrada, as impressões infantis guardam toda a pureza de um amanhecer sem ocaso. Intemporal e mítica, a paisagem geográfica é nos meus sentidos uma perpétua miragem; quanto à outra, à humana, tais virtudes lhe descubro, que parece que só junto dela sou gente». (1)

É o autor do mês de Janeiro, na Biblioteca. Não é fácil falar em breves linhas de um homem que comprova como poucos, muito poucos a grandeza do ser, numa gramática onde a geografia e a alma das pessoas foram o alimento das suas palavras. Se bebeu nas fragas e penhascos os tons da liberdade por que lutou toda a sua vida, ele próprio foi uma montanha, na dureza e na contemplação do calor humano que nele transbordaram.

Miguel Torga é um pseudónimo criado para as letras numa homenagem a duas figuras maiores da cultura universal, Miguel de Unamuno e Cervantes e naturalmente a referência sempre presente ao espírito bravio (torga é uma espécie de urze que cresce e resiste entre as rochas) que lhe esteve sempre presente.

Torga apresenta-nos nas suas páginas o relevo e a pele desse Reino, a que ele chamou Maravilhoso, onde os olhos do espanto e o coração decidido possam conhecer um mundo diferente, especial e único, Trás-os-Montes. A sua obra é muito variada e abarcou a poesia, o conto, o romance eas memórias.Fundou várias revistas literárias e da sua extensa produção literária podemos destacar Os Novos Contos da Montanha, A Criação do Mundo, a sua Poesia e os Diários. A sua obra encontra-se traduzida em diversas línguas e foi premiada pela beleza e lucidez do seu canto.

Miguel Torga representa na dimensão humana o carácter duro, ma solidário, frontal, mas apaixonado por uma consciência em que os valores permanecem pela liberdade e dignidade do homem. Há nas suas palavras um encanto silvestre e a originalidade de um espaço único, especial, o maravilhoso.

A sua obra, a sua figura são a morada de um tempo quase eterno onde a montanha faz nascer a liberdade e a beleza. As palavras de Torga são uma consagração da geografia sobre o tempo, quando neste País as suas palavras eram, à semelhança de outros pouco aproveitadas na sua transformação.

No País cinzento de Salazar um homem desda grandeza ficou encerrado no seu património criativo. Quando tantas vezes procuramos compreender o atraso cultural e de cidadania que nos atinge, é importante compreender esta sangria que demasiadas vezes o poder político tem feito na cultura. As palavras de Torga e o seu grito pela liberdade são uma inspiração e estão acima das limitações do tempo.

(1) Miguel Torga, Diário VII, 3ª edição, Coimbra

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