Se, depois de eu morrer...
«Se, depois de um morrer, quiserem escrever a minha
biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas,
a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque
nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento
de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas
das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas
iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza».
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos
Imagem, in resistenciasculturais.blogspot.com
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