sexta-feira, 30 de julho de 2010

In Memoriam - António Feio

«(...) Aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros. Apreciem cada momento. Agradeçam e não deixem nada para dizer; nada por fazer.» (1)

Morreu um actor, que procurava nos emocionar, que nos fez vibrar nas nossas contradições humanas, que nos fez sorrir de um modo inteligente, sensível e único. Morreu um homem que nos explicou tantas vezes que o melhor da vida é isto, o de nos darmos genuinamente uns aos outros. Morreu um ser humano de grandeza rara e que nos deixa este exemplo de lutar sempre, da beleza de quem resiste, de quem se apresenta com simplicidades e graça.

Tínhamos por ele, temos por ele uma grande afecto. É neste limiar das nossas possibilidades que verificamos como as palavras nos pedem desculpa pelas suas infinitas limitações. Aqui nos apercebemos de como são pobres para exprimir a grandeza do sorriso, a generosidade do gesto, a beleza da dádiva, que é, evidentemente uma forma de amar. Para o António, um dos poemas de Herberto que melhor nos explica a grandeza do actor, deste actor.

«O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores(...)
Ninguém ama tão desalmadamente como o actor.
O actor acende os pés e as mãos. Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela. Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo ao pequeno talento humano(...)
O espantoso actor que tira e coloca e retira o adjectivo da coisa,
a subtileza da forma,e precipita a verdade(...)
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus(...)
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro. O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia. O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor. Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira, e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamentedo Nome.
Nome que se murmura em si, e agita, e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega. Que sangra. Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo, enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor. Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação. O actor transforma a própria acção da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto. Faz crescer o acto. O actor actifica-se(...)
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela. Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimentode onde brota a pantomina (...)
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral. O actor em estado geral de graça.» (2)


(1) in Contraluz
(2) Herberto Helder, Poema do Actor

domingo, 25 de julho de 2010

Até Já...



(Boas Férias, independentemente das paisagens que mais vos motivam.)

Imagens, in http://www.shirinsahba.com

...

Foi um ano diferente. Permitiu o conhecimento de uma realidade nova, a de conhecer de forma mais próxima o universo dos alunos do 1º Ciclo. Foi uma experiência muito interessante pelas conquistas e também pela percepção real de como, entre nós a Lei é muitas vezes uma figura de estilo.

O 1º Ciclo é um mundo diferente e isso nem sempre é compreendido na devida dimensão. Recordo o entusiasmo na voz do «bom-dia professor Luís», das crianças e de como uma Biblioteca lhes desperta  curiosidade e interesse. Aliás as crianças têm uma vocação para lidar com a realidade com mais honestidade que os adultos. As possibilidades são-no mesmo e com elas aprendemos que a expressão visual, o olhar, como expressão do ver tem um significado próprio. A imaginação não é para elas um instrumento ocasional.

No 1º Ciclo percebem-se igualmente as asneiras que uma tecnocracia instalada em Lisboa não compreende. Não compreende que os protocolos assinados com as instituições locais não são aplicadas, por uma evidente falta de processos de regulação. Mas o pior, é pensar-se que uma criança de seis anos pode estar numa escola mais tempo que um operário numa fábrica. E não é pelas horas que os docentes e funcionários lá passam. Os espaços e horas de lazer são limitados. As relações de convívio entre as crianças, o saber estar com o outro é substituído pela maravilha tecnológica, que não solidifica nem o relacionamento, nem na aprendizagem, onde antes de digitar é preciso saber ler, escrever, pensar. 

Quando observo esta iniciativa de fechar de uma só vez perto de setecentas escolas, a juntar à concentração de mais de dois mil anos num só agrupamento mais se percebe o profundo erro que se baseia em critérios apenas de gestão, não de formulação de uma ideia educativa. Fazer deslocar crianças de seis anos, significa colocá-las um dia inteiro fora de casa, do contacto com os pais. Alguns acharão aqui uma generosidade pedagógica, mas é um instrumento de desvinculação a uma comunidade e mais uma forma de retirar instrumentos a regiões abandonadas. É a confirmação tecnocrática de que do jardim de infância ao fim do secundário, os processos burocráticos são no fundo idênticos, como se houvesse capacidade, tempo e oportunidade de os reflectir numa multidão de pessoas que dificilmente têm possibilidades de se conhecer.

Aos que nos bombardeiam todos os dias com os requintes  prometidos do futuro, onde é nas grandes aglomerações de alunos, em super escolas que os alunos, todos os alunos irão aprender, era bom que conhecessem e analisassem os modelos escolares da Dinamarca, da Finlândia, ou dos mais recentes estudos no Estados Unidos. 

É lamentável que uma época da vida de uma pessoa tão especial, como a infância seja tão pouco cuidada nas oportunidades de desenvolvimento que cada uma tem e que oferecem genuinamente. Foi essa a minha experiência de uma Biblioteca de uma Escola de 1º Ciclo. Os alunos chegam ali com um real interesse pela escola, pelos professores, pela descoberta, com olhos ainda abertos ao espanto e à imaginação. Todos sabemos que passados alguns anos, o quadro muda muito. Seria bom pensar se não é o sistema educativo, e a maneira centralizadora como é estruturado, de Bragança a Faro, uma das grandes causas dessa situação? 

Imagem, in Penelope Dullagham, Bublegum

terça-feira, 20 de julho de 2010

O menino que sonhava com a Lua

(Nos quarenta e um anos da missão Apollo 11, em território lunar)

«Era um avez um menino que passava horas e horas namorando as estrelas. Ele morava muito longe, numa pequena cidade dos Estados Unidos, e à noite, quando a Lua cheia brilhava, nos céus da sua terra, o menino ficava imóvel, olhando o enorme disco prateado. Todos os seus colegas  conheciam o seu grande sonho e, se alguém zombava dele, o menino, muito sério, afirmava: - Eu ainda vou até lá, vocês vão ver!

O  tempo foi passando e o menino cresceu. (...) Casou-se, teve filhos e continuou a estudar, na tentativa de um dia poder realizar o seu velho sonho. Vezes sem conta, nas noites de luar, olhando para o alto, o menino, já com mechas de cabelos grisalhos emoldurando um rosto ainda jovem, pensava: - É... está longe, mas eu ainda vou até lá!

Algum tempo depois, o mundo acordou com a novidade. Em todos os jornais as manchetes eram as mesmas, a notícia corria de boca em boca: o Homem estava a chegar à Lua As televisões e as rádios de todo o planeta estavam sintonizadas para receber, ao vivo, as imagens e o som da realização do grande feito do ser humano, a meta da viagem espacial tripulada. Lá estava a escada do módulo reflectida em todos os écrans de televisão. Era o momento decisivo.  Pouco a pouco desceu um vulto todo branco, ensaiou os primeiros passos  no solo lunar e, finalmente, soltou-se da escada, caminhando pelo chão do satélite da Terra.

Ali, naquele instante histórico, parado, fitando o globo terrestre, não estava o oficial experiente e supertreinado, não estava o cientista nem o astronauta: quem estava ali, com a voz embargada de emoção, era o menino Neil, Neil Armstrong, o menino que sonhava com a lua

in Benedito Polch, Experiências de Comunicação e Expressão

sábado, 10 de julho de 2010

quinta-feira, 8 de julho de 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Despedida de um Anjo

«Gosto mais de escrever para as crianças porque elas dão alegria e inspiração» (1)

Acreditamos demasiadas vezes que os que estão mais próximos, os que sentimos mais junto de nós, os que nos ensinaram que nada mais importante que contar histórias, onde a imaginação se liberta para falar com as árvores, com as aves, com as flores, estarão sempre presentes. Afinal ficarão as suas palavras, e mesmo quando são tão estimulantes, parece-nos ser pouco.

Matilde foi, é uma das mais importantes escritoras para a infância que se escreveu em língua portuguesa. Nestas alturas a biografia de um escritor são as suas palavras. Mesmo que perdendo a presença do olhar, do entusiasmo, da transpiração emotiva no encontro que tantas vezes fez em tantas bibliotecas. Ficam os seus títulos, as suas sílabas, onde tentou revelar pelas palavras essa sabedoria de lidar para os dias como uma possibilidade nova, onde o amor se entrega acima dos nossos dias sempre precários de futuro.

«Aurora esperou-me toda a tarde de domingo, na sua cama branca, de ferro.
Tinha posto uma fita vermelha a segurar os cabelos escuros. Esperava-me, esperava a minha visita, cuja promessa as companheiras lhe haviam transmitido.

Veio a família: mãe, pai, irmãos, amigos, as colegas.
– Estou à espera da professora…

No dia seguinte a doença foi mais poderosa que a sua juventude, a sua doçura, a sua esperança.
A cabeça escura, sem a fita vermelha, adormeceu-lhe profundamente na almofada, talvez incómoda, do hospital. Sabemos todos já, amigos, que há vida e morte. Também isso temos de aprender.

Não fiquem tristes por isso. Vejam como as flores nascem quase transparentes da terra, como as podemos olhar à luz do Sol, e morrem, para de novo nascerem. Lembrem-se como de um ovo de um pássaro podem sair asas que voem tão alto em dias de Primavera. E morrem, também, e todas as primaveras nascem de novo. E, sobretudo, lembrem-se do coração de cada um de nós, desta força imensa.

E não adiem os vossos gestos. Procurar alguém que sofra, que precise de nós, nem sequer é um gesto generoso, deve ser um gesto natural que se não adia. Às vezes até precisamos uns dos outros para dizermos que estamos felizes, contentes. Só para isso. Mesmo felizes precisamos dos outros.

Aurora ensinou-me para sempre esta verdade. As lágrimas que por ela chorei já não lhe deram aquela visita dopróximo domingo. Nem a mim a alegria de a encontrar sorrindo, cheia de doçura, com uma fita vermelha a prender os cabelos escuros. Vermelha de sangue, como a vida. O Sol. Flores vermelhas.

Aurora era o seu nome. E a sua vida uma manhã apenas que, na minha distracção ou egoísmo, não tive tempo de olhar. Uma manhã com uma fita vermelha. Que lágrima nenhuma pode reflectir.» (2)

Matilde Rosa Araújo

(1) in, Http://www.publico.pt
(2) http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercialmatilde.htm

domingo, 4 de julho de 2010

Petição Contra os Mega Agrupamentos

Aos que estiverem interessados e acharem oportuno deixar o seu protesto contra esta ideia de negação da individualidade das escolas, podem assinar a petição. Aqui.

Memória de Jim Morrison

«Eu sou um velho cantor de blues.
espero a vossa compreensão.
Tenho vindo a cantar blues
desde o princípio do mundo.» (1)

A História e a Sociedades contemporâneas são feitas de figuras que ambicionaram mudar o  mundo de diferentes modos. Na devida proporção falámos aqui de figuras tão inspiradoras, como Ghandi, Luther King, Mandela, entre tantos. A Música como forma de Arte também teve figuras que procuraram pelo non-sense, pela linguagem, pelas ideias, pela reconstrução dos horizontes do quotidiano nos interrogar. Um dos mais carismáticos foi sem dúvida James Douglas Morrison, aliás Jim Morrison. Um pequeno excerto da sua irreverência, sempre actual. 

(1) Doors, Maggie M'Gill, in Hotel Morrison