sábado, 19 de junho de 2010

Dois Poemas

«Não me peçam razões, que as não tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força da maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não o aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe;
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor da Primavera que há-de vir.» (1)

«(...) Levantamos um punhado de terra e apertemo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno,
a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.

Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raíz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.» (2)

(1) José Saramago, «Não me peçam razões» ,in Os Poemas Possíveis
(2) José Saramago, Na ilha por vezes habitada, in Provavelmente Alegria

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