sábado, 27 de março de 2010

Dia Mundial do Teatro (II)



No Dia Mundial do Teatro não é essencial expôr a essência da arte de representar. Como ela é feita de suor, dádiva, luz a que os fenómenos de mercado não permitem envolver nestes tempos em que parece cada vez mais difícil assegurar a diversidade na escolha.

No Dia Mundial do Teatro não é insispensável falar da falha de objectivos em relação a actores, a projectos municipais de participação das pessoas, à ridícula existência de actividades de Teatro nas escolas como opção formativa. No seu papel para alargar horizontes ou enriquecer a personalidade e respectivas capacidades. Não é essencial.

No Dia Mundial do Teatro não é importante remontar à cultura clássica e salientar a evidência da procura do alimento espiritual para convocar a acção dos homens, desenvolver a compreensão dos valores que pela coragem e liberdade permitem atingir novas perguntas. Não é essencial focar mais uma vez essa tentativa de reencontrar um fundo espiritual. Além do mais o imediatismo mais prático não necessita destas ferramentas.

No Dia Mundial do Teatro deixemos uma só, livre e encantada palavra pela sua matéria-prima, o actor. Acima das cerimónias oficiais, a palavra, o sentido, a gratidão do sonho e do cansaço. É uma simples opinião, mas ele é, foi, talvez seja O Teatro.

Nasceu, cresceu e viveu no palco, personagens múltiplas, dádivas em pele por uma humanidade que ofereceu em sorrisos tímidos e palvras de inconformismo. Viveu o futuro, com inspiração e fez das palavras sons de emoção onde nos encontrámos com os momentos de pequenez e grandeza de que somos capazes. Apesar do tempo a sua imagem, os seus gestos, as suas palavras, o seu espírito revela-nos esse ocaso de «poeira cósmica» que parece ainda ser possível desvendar na humanidade.

Chama-se Mário Viegas e foi o actor. Abaixo um excerto de Serenidade, que ainda parece audível na gravidade doce da sua voz.

«Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humanidade das bocas.
Vem serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os lábios cheguem à altura dos beijos. (...)
Vem serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de oiro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proibem o céu
vem com o nevoeiro. (...)
Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.(...)
Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.»(...)

in, Raul de Carvalho, «Serenidade És Minha»
Imagens, Teatro São João no Porto

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